por Rafael Zagratzki*
Começo esse texto com o desafio de me tornar outro. O desafio de ter o olhar de um estrangeiro diante de um lugar que faz tão parte de mim. Sou um homem cujas memórias são divididas ao meio. Metade lá, metade cá. O desafio nasceu a partir do texto “Belém de Parreiras” da historiadora
Moema Bacelar, colunista do Portal ORM, que falava sobre o olhar estrangeiro da cidade de Belém pelo pintor fluminense Antônio Parreiras, no início do século XX.
O texto termina com o seguinte trecho:
E ao ver essas telas não posso deixar de fazer digressões e me perguntar: que lugares Parreiras pintaria hoje? Qual Belém e de que forma a deixaria registrada para ser, daqui a algum tempo, a cara de Belém das primeiras décadas do século XXI?
Pronto...foi lançado um exercício criativo. Se eu fosse um estrangeiro, ou mesmo se eu fosse Antônio Parreiras, o que eu pintaria hoje? Penso que mudamos os séculos, as tecnologias, as formas de expressão, a velocidade das informações, a liberdade e possibilidade de criar, e então imagino que eu poderia ser Parreiras e pintar a minha visão de uma nova Belém.
A principio pensei em algumas paisagens atualmente típicas, como o complexo Feliz Lusitânia, ou um túnel de mangueiras mostrando a natureza sempre exuberante, ou ainda os traços urbanos e o caos de uma cidade cosmopolita. Talvez essa visão mais urbana seja a que mais me chame atenção, pois lembro quando cheguei a Belém, quando criança, a cidade sem tantos arranha-céus, a área da Doca de Souza Franco cujo único destaque era um grande supermercado, hoje possui uma paisagem emoldurada por grandes edifícios, que para mim, hoje representam o que é a cidade de Belém.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP0Zs-0h9t_NE7BztKj89WOyaGUPUAmPWiuGdWzjSP0l03JZHS6aFMQSPWKL7yr5_6ChOGnKIzSYvauMy8YG794n9MRAdZ12RwHlXTZIvlpfuL0tKWJDultV74obShEkxWEeprMOEgQ6go/s320/foto1.JPG)
Aí comecei a pensar melhor, e constatei que, apesar de ser uma grande característica atual, essa paisagem urbana não me causa surpresa já que estamos supondo um olhar estrangeiro. Arranha-céus e caos têm em toda grande cidade (ou cidade grande – não vou me focar nas definições desses termos).
Então pensei na natureza, e aqui não tive como separar o olhar estrangeiro do prazer de uma memória afetiva: o banho de chuva. Em minhas memórias de infância me vejo na praça Batista Campos, rodeado de verde e tomando um super banho de chuva, certas vezes intencional, certas vezes não, porém inevitável. Ainda que a chuva faça parte de uma memória afetiva mesmo assim me surpreende. Belém é o único lugar (de meu conhecimento e de minha vivência) que tem a chuva como fator cultural e determinante. A chuva decide o seu “ir e vir”. Os encontros são marcados (e desmarcados!) em função da chuva!
Outra coisa que comecei a perceber, e para isso precisei de um afastamento, é que Belém é uma cidade colorida, seja pelas pessoas, pelo vestuário, pela arquitetura ou por elementos imateriais (paisagem, pôr-do-sol, fauna, flora, culinária, etc). Belém é colorida! Talvez quem conviva no dia-a-dia não perceba isso, mas de fato é!
Então, após esses pensamentos, cheguei a conclusão de que, como estrangeiro, pintaria a chuva e as cores de Belém. A arquitetura e a paisagem já foram documentadas e exploradas em fotografias e outras pinturas, mesmo que o tempo dê novas características a esses elementos, esses não serão novidade e não despertarão uma nova percepção. Portando-me como tal pintor imaginário, gostaria de retratar o imaterial, o cultural, o que tem valor para o povo e o que é tão característico e que nem sempre é percebido.
Quando digo que não é percebido, falo de uma experiência pessoal. Se pararmos para avaliar a paleta de cores do vestuário carioca, teremos brancos, pretos, cinzas, azuis claríssimos ou escuros, amarelos fracos, verde musgo ou em resumo: cores discretas. Quando vemos nas ruas cores berrantes, pensamos logo: ih, turistas. E de fato são.
Voltando ao foco: após definir que, como pintor estrangeiro, eu pintaria as cores e a chuva de Belém, coincidentemente, navegando pelos afluentes virtuais, achei um perfil com imagens interessantíssimas sobre a minha visão estrangeira da cidade. O perfil de Pedro Cunha Neto possui imagens muito coloridas sobre a cidade. Algumas coloridas e chuvosas. Penso que Pedro Neto conseguiu captar exatamente a minha visão “parreireana” sobre Belém.
Perceba que as imagens que mostram as gotas de chuva em primeiro plano, mostram um padrão colorido em segundo plano, seja pelo vestuário ou arquitetura.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8Ig-kUsic2pryrwBy06wniARb8MIW2G6D12dVORPJ_fz_yvprvQfOw4hDDxXmf_7xE46OudlM6Eb_9fYFV8lkRE_C1WQg2FD1aDSats__KHg-5WeFXSM-n5mP9WK9AR133-5YHpkxb8HB/s320/foto2.JPG)
Essa é parte da minha admiração estrangeira para o dia-a-dia paraense. Em outros estados e em outras culturas, a chuva seria convidativa ao preto, ao cinza, a tons muito mais fechados.
Desviando um pouco da chuva e me direcionando mais para um objeto, devemos parar para pensar no Guarda-chuva como objeto coringa em uma cidade onde o sol e a chuva convivem de forma tão harmoniosa. No momento da chuva ele se chama guarda-chuva, no momento do sol extremo, ele se chama “sombrinha”, no entanto é sempre o mesmo objeto. E o que ele tem em comum nesses dois momentos? Eles são coloridos! Rosas, vermelhos, azuis, pequenos ou grandes, esse objetos dialogam com a paisagem, fazendo com que o vai e vem dos paraenses se torne multicolorido.
Saindo um pouco das roupas e dos objetos, podemos observar pela arquitetura da cidade alguns prédios e casas com combinações surpreendentes e incomuns:
Depois de ver essas imagens consegui expressar com mais facilidade o meu olhar sobre o que eu pintaria de Belém. As cores são a expressão de um povo mergulhado na natureza, influenciados pela bandeira vermelha (seja do estado ou do açaí das esquinas), pelo pôr-do-sol laranja, pelo sol do meio dia amarelo refletido nos carros vermelhos, nos guarda-chuvas amarelos, nos prédios azuis, nos postes laranjas, nos ônibus amarelos ou em toda a cor que dança pela cidade.
Belém é uma ode as cores, que nem a chuva cinza consegue apagar.
(*O autor é graduado em desenho industrial pela UEPA e especialista em patrimônio cultural pela UFPA)