terça-feira, 4 de abril de 2023

O gemido das emas na História

 A imprensa noticiou a morte de Emas (Rhea americana) que moravam nos jardins da residência oficial da presidência da república. Foi diagnosticado maus tratos às aves durante o governo de Jair Bolsonaro. Esses animais se tornaram notícias ao serem perseguidas pelo ex-presidente que as molestou com caixas de cloroquina. Também foi noticiado ataques das emas a ministros e ao próprio presidente. 

Atualmente as emas ocupam de maneira tímida as áreas naturais do território brasileiro, isso está relacionado não apenas pela caça dessa animal, mas principalmente pela diminuição das áreas de vegetação nativa e o avanço da agricultura que alteram drasticamente o habitat da maior ave do nosso país. No entanto, antes da invasão dos europeus, as emas se apresentavam em grande número por diferente regiões da América do Sul. Algumas etnias indígenas realizavam a criação dessas aves para consumo de sua carne, ovos, pele para vestimentas e penas como adereços ou até abanadores. A constelação Cruzeiro do Sul estava identificada como a pegada de uma ema. 

Durante o período colonial no Brasil, as emas, também chamadas de nandu, guaripé e xuri, parecem ter sido reconhecidas pelos invasores europeus, por ser uma importante fonte de proteína e provavelmente pela sua grande capacidade de atingir alta velocidade. 

Ao longo das invasões holandesas no Brasil, a ema, registrada nos documentos coloniais como avestruz, figurava como principal elemento do brasão da Capitania do Rio Grande (1639), administrada João de Barros. Seu território situava-se entre a foz do rio Jaguaribe (a norte) e a baía da Traição (a sul). Os registro históricos apontam para a abundância dessa ave nessa região. O historiador Capistrano de Abreu reconhece nela um "precioso dote para formas animais que vivem correndo pelo solo [com] uma perna comprida e capaz de corresponder a fortes exigências...a gigantesca Ema".



O naturalista Charles Darwin, quando viajou pela América do Sul, ficou muito impactado pelas emas e as incluiu na sua célebre teoria da Evolução. Estudos na região da Patagônia indicam a importância dessa ave para os Ameríndios durante o Holoceno, sendo encontrados pinturas rupestres que registram suas patas em locais como a Cueva de las manos. 


O historiador Luís Câmara Cascudo discorda da existência das emas na região da Capitania do Rio Grande. Segundo ele, o brasão homenageava um importante chefe dos cariri, chamado Janduí, que estabeleceu aliança com os holandeses e seu nome tupi seria uma corruptela de Nhandu que significa corredor, veloz, aquele que se desloca rapidamente - assim como as emas. Fato é que esse animal figurou desde a estampa de sabonetes até letras de música como 'O canto da ema' de João do Vale, interpretada por Jackson do Pandeiro e fala da crença popular do mau sinal quando essa ave vocaliza sobre o tronco da árvore jurema, indicando o fim do amor.  

O canto das aves e a própria árvore jurema estão relacionadas com as religiosidade, o mágico e os prenúncios do mundo sobrenatural. Talvez políticos de Brasília não souberam ler esses sinais ou mexeram com os animais errados.  

Fontes
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de história colonial (1500-1800). Brasília, DF: Senado Federal.