Marlison Souza Moraes
Nos
anos de 1930, na Bahia, Jorge Amado (1912-2001) escrevia de forma crítica
acerca da epidemia de varíola – também chamada popularmente de “alastrim” e
“bexiga” –, e no impacto que a doença exercia, principalmente, na população
mais pobre da sociedade do período.
Publicado
originalmente em 1937, o romance “Capitães da Areia” já denunciava em suas
páginas a situação de abandono em que se encontravam os meninos de rua nas
cidades da Bahia e também do Brasil. Além da própria existência de um tipo de
linguagem da violência policial que reprimia ainda mais a vida difícil das
crianças que, sob a luz do luar, dormiam em um trapiche abandonado.
Considerado
escritor da Segunda Geração do Modernismo brasileiro, conhecida também como
“Geração de 30”, o autor juntamente com outros nomes como Graciliano Ramos e
Raquel de Queiroz, traz em suas obras uma forte mensagem de denunciação sobre a
realidade social, cultural e econômica do Brasil. A partir desse cenário de
desigualdade social que atingia as crianças de rua, Jorge Amado constrói uma
narrativa voltada para a denúncia dessas mazelas que constantemente se faziam
presentes na sociedade brasileira da primeira metade do século XX.
Em uma das passagens mais delicadas do
livro, o autor escreve que além do contexto da fome, da violência, da
criminalidade e do desprezo social em que viviam os capitães da areia, eles
também precisavam lidar com o terrível medo da doença de “bexiga”. É a epidemia
de “alastrim” ou varíola que vai desencadear alguns dos momentos mais
dramáticos e sensíveis do romance, pois um dos meninos da turma cai doente e
percebe-se totalmente desamparado para enfrentar a situação.
No começo do capítulo em que o autor
propõe um debate acerca dessa doença, ele começa falando que:
“Omolu mandou a bexiga
negra para a cidade. Mas lá em cima os homens ricos se vacinaram, e Omolu era
um deus das florestas da África, não sabia destas coisas de vacina. E a varíola
desceu para a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de
chaga em cima da cama. Então vinham os homens da saúde pública, metiam os
doentes num saco, levavam para o lazareto distante. As mulheres ficavam chorando,
porque sabiam que eles nunca mais voltariam (...) Nas casas pobres as mulheres
choravam. De medo do alastrim, de medo do lazareto.“
Apesar da importância da
mensagem da cultura das religiões africanas e afro-brasileiras na passagem,
Jorge Amado nos mostra que a epidemia era muito mais cruel com quem não tinha
acesso à saúde básica no período para poder tratar da doença de forma adequada.
Os que mais padeciam, geralmente, eram pessoas negras e pobres que viviam
totalmente a margem da sociedade numa situação de extrema vulnerabilidade
social. E os capitães da areia, como aborda o romance, também foram afetados de
forma triste por eles fazerem parte desses sujeitos que viviam desassistidos
pelo Estado e poder público local, o que contribuiu para a morte de um dos
tripulantes da equipe. Uma criança.
Portanto, Jorge Amado,
desde os anos de 1930, já escrevia sobre a importância da criação de políticas
púbicas para o atendimento das pessoas mais pobres da sociedade. No contexto
pandêmico do novo coronavírus no Brasil, Capitães da Areia (1937) assume uma
importância ímpar no que diz respeito à mensagem crítica da forma como uma
doença pode atingir uma parcela da população que vive em situação de
vulnerabilidade. A chegada do vírus escancarou nossas desigualdades sociais,
sendo os mais pobres e negros/as os/as que mais sofrem. Tal como nos mostra os
escritos do romance de 1937, na cidade da Bahia.
Marlison é estudante do curso Licenciatura em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Campus Ananindeua. É membro do Grupo de Pesquisa CNPq História e Natureza. Atualmente desenvolve pesquisa sobre os temas: História, Literatura e Gênero na Amazônia durante o período Civil Militar.