terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O cachorro, Tobias e o anjo

O quadro 'Tobias e o Anjo', sob a guarda da National Gallery of London, foi pintado na oficina de Andrea de Verrocchio (1435-1488) e finalizado na década de 1470 quando essa cena bíblica gozava de grande popularidade em Florença - provavelmente devido ao culto popular ao Arcanjo Rafael promovido por várias irmandades religiosas.


Os estudiosos da obra destacam a importância da colaboração de vários ajudantes na composição da cena. Ali trabalhava ou então jovem Leonardo da Vinci a quem sugere ter pintado o cachorro e o peixe. São esses animais que queremos aqui destacar. 

Tobias, um jovem judeu, foi enviado por seu pai cego para recuperar o dinheiro deixado com um parente. Acompanhando-o na viagem estão seu cachorro e um guia contratado que, sem ele saber, é o arcanjo Rafael. Ao chegarem ao rio Tigre e entrar em contato com o rio, Tobias é mordiscado nos pés por um peixe. Raphael diz a ele para pegá-lo e preservar suas entranhas como remédio. Tobias mais tarde queima o coração e o fígado do peixe para libertar sua futura esposa de um demônio e usa o fel (bile) para curar a cegueira de seu pai.



Estudiosos consideram que o peixe poderia ser o Callionymus. um gênero de dragonetes ou o Esox que habitam o fundo dos rios. Essas passagens nos revelam as águas como um lugar de criaturas misteriosas e até mágicas. O conhecimento de cura popular é apresentado quando o peixe possui virtude para remover manchas brancas que crescem sobre os olhos, o óleo dele extraído é combustível para iluminar a residência  e também guarda poderes sobrenaturais para espantar os demônios.



O cachorro é um personagens importante desse episódio. A história pintada por diferentes artistas sempre colocou em cena o cão. Isso nos revela o reconhecimento do cachorro como membro da família e seu caráter doméstico na Europa renascentista. O animal representa lealdade, companheirismo e está presente em muitos quadros que tratam da história de Tobias expostos nos mais importantes Museus do mundo. Curiosamente, há uma extensa literatura que trata da presença dos cães em livros considerados sagrados por religiosos e com destaque para a história de Tobias. 

Não é demais afirmar que o cachorro de Tobias também representa o próprio amor, devoção e sustenta uma ligação entre o Tobias e seu lar durante a jornada para cura de seu pai. Ao escolhermos uma perspectiva ambiental da história nossa compreensão sobre o passado é ampliada e revela dinâmicas sociais ocultadas por um olhar tradicional. 

Referências

COHEN, Simona. Animal Imagery in Renaissance Art. Renaissance Quarterly, v. 67, n. 1, p. 164-180, 2014.

JACOBS, Naomi Susan Schwartz. ‘What About the Dog?’: Tobit’s Mysterious Canine Revisited. In: Canonicity, Setting, Wisdom in the Deuterocanicals: Papers of the Jubilee Meeting of the Internatinal Conference on the Deuterocanonical Books. De Gruyter, 2014. p. 221-246.


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