quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Cena de um seringal: a pintura de Antonieta Feio

O post de hoje apresenta um quadro da pintora Antonieta Feio adquirida pelo amigo e professor da Universidade Federal do Pará Flávio Nassar. Segundo ele, a obra foi encontrada em um antiquário em São Paulo e agora está em sua posse em Belém do Pará. Agradeço a confiança em poder publicar a imagem do quadro no HN.

Nosso pedido para publicar a imagem se justifica por termos nos impressionado com a cena do seringal registrando a densidade da floresta imediatamente após o plano em que os trabalhadores foram retratados, cercados pela natureza amazônica.

Diante disso, a professora doutora Caroline Fernandes, a convite do historiaenatureza.com escreveu o texto a seguir no qual nos brinda com seus comentários a respeito do trabalho de Antonieta Feio. 


A cena do seringal e o trabalho de Antonieta Feio
por Caroline Fernandes

Antonieta Santos Feio (1897-1980) foi uma pintora bastante atuante no cenário artístico paraense. Desde quando retornou a Belém dos seus primeiros anos de estudo na Itália, em 1917, participou de inúmeras exposições individuais e coletivas, salões de arte organizados tanto por iniciativa pública quanto privada; foi professora de desenho e pintura no Instituto de Educação do Pará, além de ministrar aulas particulares. Seu nome aparece ainda ligado aos debates de diferentes grupos independentes de artistas, como a Associação Artística Paraense e a Sociedade Artística Internacional. Antonieta recebia ainda encomendas da elite local, especialmente de retratos (gênero de pintura que marca fortemente os estudos sobre sua obra) não somente por se tratar da especialidade da pintora, mas também porque os retratos somam o montante de trabalhos disponíveis à consulta pública nos acervos institucionais. Na capital paraense, para termos uma ideia, há exemplares no Museu de Arte de Belém, no Museu Histórico do Estado do Pará, na Escola de Música Carlos Gomes, no Arcebispado de Belém, na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, entre outros. Contudo, o conjunto da obra da artista é bem mais abrangente; seguindo o exemplo de seus professores italianos, Giuseppe Rossi (1876-1952) e Jacopo Olivotto (1873-1956), Antonieta também se dedicou à pintura de paisagens, naturezas mortas e cenas de gênero, como essa que retrata um seringal.

Sobre o quadro

No primeiro plano, à direita, dois meninos despejam a seiva da seringueira num recipiente deitado ao chão. Depois de levado ao fogo, o líquido deve ganhar a consistência das bolas de borracha dispostas à esquerda, aos pés do homem que acompanha o trabalho dos jovens, provavelmente um seringueiro, vestido com calça e camisa claras, gastas pelo tempo e pelo uso cotidiano, cabeça coberta por um tipo de boina. Apoiado numa das pernas, braço esquerdo descansando na cintura, o homem carrega na mão direita um lampião. No segundo plano, por trás dos meninos, há uma cabana de palha que sugere o acampamento dos seringueiros; é possível ver alguns vestígios de que outras pessoas habitam o interior da cabana, mas a ausência de luz não permite ao espectador conhecer o que se passa do lado de dentro. Esse acabamento escuro do interior do alojamento, por sua vez, cria um contraste com o branco da camisa do menino e da seiva ainda líquida sendo derramada, o que chama atenção para o movimento que acontece no primeiro plano. Já o plano secundário é dividido em dois: de um lado a cabana, de outro a mata verde. O clarão criado pelo acamamento contrasta ainda com a mata densa que se prolonga por trás do seringueiro até o horizonte. No recorte da cena proposta pela artista, o céu aparece em pequenas frações nos cantos superiores da tela, chamando atenção para a dimensão monumental da floresta que toma conta da paisagem.

Nesse trabalho, a palheta da pintora varia entre tons de verde e ocre; a iluminação, mais fria, sugere um momento como fim de tarde, pouco antes de escurecer. Como em outras cenas de gênero pintadas por Antonieta, as figuras humanas são apresentadas de maneira mais esquemáticas, no sentido oposto ao detalhamento e precisão característicos de alguns de seus retratos. De toda forma, essa tela retoma um tema caro a sua pintura: o trabalho. O tema aparece em vários outras telas, inclusive nos retratos de grande dimensão que estão no Museu de Arte de Belém, são eles a Vendedora de Tacacá (1937), a Vendedora de Cheiro (1947), as quais retomam o tema do trabalho urbano de mulheres cujo sustento provém de uma atividade desenvolvida nas ruas; além da Mendiga (1953), que trás uma alusão ao não-trabalho, considerando que se trata de uma mulher pobre que vive de esmolas.

Nesse sentido, a tela do seringal, embora marcada por soluções plásticas mais próprias da sua pintura de gênero, atravessa a temática corrente do trabalho e da representação de tipos regionais, que aparece nos retratos mencionados, datados de três décadas diferentes. O acampamento seringueiro, pois, é mais uma das atividades que caracteriza o dia-a-dia dos trabalhadores na região Amazônica, especialmente quando se fala de um momento em que a extração do látex havia sido retomada com vigor, por incentivo do governo federal, no contexto da participação do Brasil na Segunda Grande Guerra. Antonieta fez parte de uma geração que presenciou os dois grandes conflitos bélicos de dimensões mundiais; seus famosos retratos de mulheres em situação de trabalho (e não trabalho), por um lado, deixam ver que a artista estava bastante atenta ao ambiente social em que vivia, e encontrava nos problemas do presente motivos para suas telas. Portanto, a cena do seringal não só apresenta elementos caros para se pensar sobre a sociedade da época, como aponta para outras possibilidades de enfrentamento do próprio conjunto da obra da artista.


O moderno em aberto: o mundo das artes em Belém do Pará e a pintura de Antonieta Feia

Autora: Caroline Fernandes

O livro pode ser adquirido nos seguintes locais:
Museu de Arte de Belém (MABE)
Fox Vídeo Locadora  (Belém-PA)
Centro de Memória da Amazônia (CMA)
LABHOI-UFF (laboratório de história oral e imagem- Niterói-RJ)

domingo, 8 de novembro de 2015

II Seminário de História das Ciências na Amazônia

O II Seminário de História das Ciências na Amazônia - "O Conhecimento entre o Local e o Global" será realizado nos próximos dias 11 e 12 de novembro, no Auditório do Centro de Capacitação (Capacit) da UFPA. O evento está sendo organizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém-PA), Universidade Federal do Pará (Belém-PA) e Instituto Leônidas e Maria Deane/Fiocruz (Manaus-AM). O público alvo são pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação, organizações governamentais e não governamentais interessadas em ciência e em política científica e tecnológica.  Veja AQUI a Programação Completa. 

Programação - Estão previstas a realização de quatro mesas-redondas e duas sessões de comunicações de alunos do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará (PPHIST). Ao todo, serão apresentados 30 trabalhos. Entre os participantes de outros estados, estão alguns dos principais historiadores da ciência brasileiros, como Jaime Benchimol (Fiocruz-RJ), André Felipe Cândido da Silva (Fiocruz-RJ), Dominichi Miranda de Sá (Fiocruz-RJ), Rômulo de Paula Andrade (Fiocruz-RJ), Júlio Cesar Schweickardt (Fiocruz-AM) e Peter Schröder (UFPE).

Fonte: http://ifch.ufpa.br

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Humboldt e a invenção da natureza, por Adrea Wulf

Alexander von Humboldt foi uma importante figura do seu tempo. Contemporâneos o consideravam tão famoso quanto Napoleão. Muitas espécies e lugares americanos foram nomeados por ele: cidades, rios, montanhas, baías, cachoeiras, plantas e animais. Há uma geleira e até um asteróide com seu nome. Ao largo da costa do Peru e do Chile, há uma lula gigante chamada de Humboldt, que nada na corrente de Humboldt, e até mesmo na lua há uma área chamada Mare Humboldtianum. Darwin chamou-o de "o maior viajante científico que já existiu."

No entanto, hoje, fora da América Latina e da Alemanha (terra natal de Humboldt)  o seu nome é pouco lembrado. Suas idéias foram incorporadas de tal maneira pela ciência moderna que elas já não podem parecer surpreendentes. O jornal The New York Times destaca esse argumentos retirados do livro de  Andrea Wulf,  "The Invention of Nature: Alexander von Humboldt's New World".

A viagem de Humboldt a América é o objeto central do livro de Wulf. Em 1799,  ele partiu para o Novo Mundo com um botânico, Aimé Bonpland, aportando no que hoje é a Venezuela. Navegando pelos rios dessa região conheceram a riqueza botânica das florestas tropicais, chegando ao Alto Orinoco.

Para Wulf, o feito de Humboldt estava menos na descoberta geográfica que nos insights que a viagem provocou. Ela também é autora de "Chasing Venus" e "Founding Gardener: the Revolutionary Generation, Nature and the Shaping of the American Nation,". Em "The invention of nature" ela busca sobretudo demonstrar a relevância de Humboldt em nossos dias. Segundo Wulf, o alemão foi perspicaz em perceber as alterações do nível da água caindo no Lago de Valencia, fazendo conexões com a derrubadas das florestas circundantes e a utilização do lago para irrigação de lavouras. 

Segundo Wulf, Humboldt "foi o primeiro a explicar as funções fundamentais da floresta para o ecossistema e clima: a capacidade das árvores para armazenar água e para enriquecer o ambiente com umidade, a proteção do solo, e seu efeito de resfriamento. Ele também falou sobre o impacto de árvores sobre o clima através de sua liberação de oxigênio e os efeitos das intervenções humanas no mundo natural insistindo nas consequências catastróficas.

Humboldt chegou a sua epifania, nas encostas do Monte Chimborazo, no Equador de hoje, uma montanha considerado então o mais alto do mundo. Escalada para mais de 19.000 pés, ele atingiu um recorde de alpinismo insuperável por 30 anos e olhou com admiração para a vasta paisagem . Aqui, Wulf afirma, ele teve a convicção de que o mundo era um organismo interligado e único.

Fonte: http://www.nytimes.com/