quarta-feira, 28 de julho de 2021

Borba Gato, os bandeirantes e o mundo natural

No ano de 1963 foi inaugurada na cidade de São Paulo uma estátua em homenagem ao bandeirante paulista Manoel de Borba Gato (1649–1718). Planejada pelo escultor Júlio Guerra, o monumento tinha como objetivo comemorar a atuação dos exploradores bandeirantes durante o período colonial no Brasil. Podemos falar em uma Memória Oficial que passou a considerar positiva a penetração das Bandeiras pelo interior do continente, sem criticar os prejuízos resultantes para as sociedades indígenas, negros e também para o meio ambiente. 

Desde 2017 a estátua de Borba Gato vinha sendo atacada por grupos de descontente com a Memória Oficial, reconhecendo esse monumento como um símbolo de tortura e pilhagem que marcaram a atuação das elites exploradoras coloniais. Em 2021, manifestantes atearam fogo na estátua, destruindo-a por completo. Tal ação parece acompanhar uma série de ataques a imagens escravocratas que ocupam praças e prédios públicos em diversas cidades por todo o mundo. 


Borba Gato tornou-se um importante administrador no sistema colonial portugues, chegando ao cargo de juiz ordinário da vila de Sabará. Sua notoriedade foi alcançada especialmente pela habilidade em ocupar áreas para extração mineral. Os documentos históricos registram sua perspicácia em negociar com diversas etnias indígenas ao ponto de se refugiar junto aos índios dos sertões da Bahia. Portanto, ele foi um súdito do monarca luso, bandeirante, que obedeceu e participou dos processos violentos de invasão do território.


Como bandeirante, Borba Gato percorria de forma diligente as florestas que cobriam os o sertão do rio Doce e o sertão do Parahytinga. Nos anos finais do século XVII, circulou com mais intensidade pelos rios e matas das regiões dos rios Grande e Sapucahy, explorando tabuleiros auríferos. Isso criava cada vez mais a necessidade de mão-de-obra escrava africana. 


No contexto das Bandeiras Paulista, a paisagem foi cada vez mais sendo transformada. Os leitos dos rios passaram a ser alterados para a extração principalmente de ouro que em nada beneficiava os moradores locais, mas sim enriquecia exclusivamente as nações europeias. 


O êxito das investidas bandeirantes pode ser melhor entendido quando trazemos os elementos ambientais para o centro da discussão. A negociação com os ameríndios permitia o conhecimento dos caminhos fluviais, modo de caça dos animais para a alimentação, confecção de instrumentos de pesca, qualidade das águas para matar a sede, locais e identificação de frutos nas matas e outras tantas questões desconhecidas dos exploradores.  Carvalho Franco, em sua obra Bandeira e bandeirantes de São Paulo (1940), aponta de maneira tímida as relações entre Borba Gato e o mundo natural, as travessias dos rios e a busca por caminhos seguros. 


Analisar a relação entre os bandeirantes e a natureza pode nos levar a reconhecer como o conhecimento indígena foi fundamental para a circulação dos exploradores no Brasil colonial. A natureza não foi apenas um cenário nesse contexto, mas sim um agente da história na medida em que impuseram inflexões aos planos dos agentes da Coroa portuguesa. 


Referência
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Bandeiras e bandeirantes de São Paulo. Brasiliana, 1940.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

As garças na história

A história das aves é fascinante por considerar não apenas a potente adaptabilidade dessas espécies, mas também pelas relações estabelecidas ao longo do tempo com outros seres vivos. Entre os humanos, elas são símbolo de liberdade e paz. 

As garças são aves que representam bem o que acabamos de dizer. Adaptaram-se em muitos e diferentes regiões do planeta, sendo registradas em manuscritos e pinturas por sua beleza e presença constante em espaços como lagoas, rios e outros espaços marítimos. 

É possível que os antepassados dos romanos as denominavam de Karkia, o que teria sido a raiz da palavra em espanhol Garza e posteriormente em português Garça. Importantes escritores romanos escreveram sobre sua resiliência. No Japão, as garças foram personagens pintados nos mais variados suportes, no entanto hoje só podemos conhecer algumas espécies de garças nesses afrescos, pois a garça japonesa foi extinta. 

Os antigos romanos retrataram garças em muitos de seus mosaicos para adornar suas residências. Os indígenas brasileiros também nos contam sobre a importância dessa ave para a cosmologia de algumas etnias - como os Desana que habitam regiões no Brasil e na Colômbia e explicam o universo e a própria origem humana por meio de uma constelação chamada 'constelação Garça' .

No Egito Antigo a ave legendária Benu (uma espécie de alma do deus Rá) adquiria a forma de uma garça e está presente em vários registros dessa civilização. Infelizmente essa espécie também foi extinta. 


A espécie denominada Garça-vaqueira teve sua presença relatada no Brasil pela primeira vez na década de 1960 no arquipélago do Marajó e hoje está adaptada em todo território nacional. A Garça-vaqueira é originária do continente africano e provavelmente migrou para a América do Sul viajando em embarcações que cruzavam o oceano Atlântico. Ela encontrou boa acolhida junto às criações de gado por todo o Brasil.

Ao observarmos a garça ao longo do tempo podemos perceber sua presença na cultura de diferentes civilizações na história. Também nos permite reconhecer a circulação e adaptação das aves em diferentes continentes do planeta. Isso amplia nossa compreensão sobre os personagens não humanos e a complexidade das relações entre os seres vivos na história.

sábado, 10 de julho de 2021

História, Ciência e Natureza (ebook)


História, Ciência e Natureza

Organizadores: Wesley Oliveira Kettle e Gabriel Pereira de Oliveira

Este e-book é fruto das discussões realizadas via webconferência nos dias 2 e 3 de dezembro de 2020 no XII Encontro Estadual de História da Anpuh-Pará, mais especificamente no Simpósio Temático "História, Ciência e Natureza". Apesar de todos os percalços e limitações de um debate realizado de forma remota, em meio ao cenário tão duro de pandemia da Covid-19, as discussões via webconferência possibilitaram a participação de pesquisadoras e pesquisadores de diversas partes não somente do Pará, mas mesmo do Brasil. E as reflexões sobre as relações entre grupos humanos e o restante da natureza ao longo do tempo, considerando inclusive o âmbito do ensino na Educação Básica, foram bastante interessantes.

Disponível para download gratuitamente na biblioteca do Laboratório Virtual de Ensino de História