terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Este rio é mais que minha rua - história através do rio Paracauari


A pesquisa se propôs a colocar em prática uma metodologia de ensinar história através dos rios, analisando as conexões entre a história das primeiras civilizações humanas que se organizaram nas margens dos rios e as vivências dos alunos do sexto ano do ensino fundamental da escola Oscarina Santos, localizada no município paraense de Salvaterra, no arquipélago do Marajó, considerando o conhecimento e a experiência desses estudantes a respeito do rio Paracauari. Como resultado dessa pesquisa, produzimos um plano de ensino anual, para introdução do meio ambiente nas aulas de história, que contempla as 60h/aula distribuídas em 40 dias letivos referente a um ano letivo para turmas de sexto ano. Esse plano é subdividido em planos de aula, sequências didáticas e atividades. Nosso público-alvo são os educadores de história que desejem introduzir história ambiental em suas aulas.

Palavras-chaves: Rios, ensino de história, Marajó.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Recursos hídricos e o ensino de história: projeto premiado

Dia 15 de dezembro, pelo canal do Youtube do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), foram divulgados os cinco professores vencedores do I Prêmio PI nas Escolas que teve como objeto o fomento, em âmbito nacional, da inserção da propriedade intelectual nas escolas da rede privada e pública de ensino, no âmbito federal, estadual e municipal, mediante o reconhecimento e valorização de professores da Educação Infantil ao Ensino Médio e Profissionalizante.

O prêmio foi dividido em cinco categorias:

Criatividade –Educação para a inovação e produção artística;

Cidadania –Educação para a cultura de respeito pela criação;

Tecnologia –Educação para a ciência e inovação;

Planeta –Educação para o aproveitamento sustentável e inovador dos recursos naturais; e

Negócios –Educação para o empreendedorismo.

A professora Ana Vieira de Oliveira, membro do Grupo de Pesquisa História e Natureza (GRHIN/UFPA) e mestranda no PROFHISTÓRIA-UFPA, venceu na categoria PLANETA com projeto executado na ilha do Marajó com seus alunos do EJAI (Educação de Jovens Adultos e Idosos) buscando fomentar a educação para o aproveitamento sustentável e inovador dos recursos naturais e receberá:

      Inscrição em curso do Programa de Ensino à Distância (EaD) desenvolvido pela Academia de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento do INPI e/ou por entidade parceira

·     Recebimento, por meio de depósito bancário, do valor líquido de R$4.000,00 (quatro mil reais)

·      Certificado de Vencedora da categoria Planeta

Com projeto intitulado “RECURSOS HIDRICOS INDISPENSAVEIS NA ANTIGUIDADE E AGORA” Ana relatou experiência na Ilha do Marajó com alunos de 6º ao 9º ano do EJA sobre o histórico do tratamento de água e tecnologias de tratamento de água para consumo humano resgatando métodos antigos de purificação de água e buscando reproduzir um desses métodos antigos na feira de ciências da escola Oscarina Santos em Salvaterra-PA tendo como base a patente do tipo modelo de utilidade MU5800243 depositada no INPI em 1978 intitulada FILTRO DE AREIA PARA ÁGUA POTAVEL.



Para Ana Vieira “o prêmio PI nas escolas busca fomentar a propriedade intelectual e quando estimulamos os alunos a buscar a origem da patente do filtro no Brasil, buscando saber como ele era feito estamos valorizando os recursos disponíveis próximo da escola como areia da praia o entendimento das patentes que apresenta toda descrição detalhada de como reproduzir”

O projeto foi executado na Escola Oscarina Santos no município de Salvaterra-PA tendo como objetivos de aprendizagem ensinar aos alunos conteúdos de meio ambiente, sustentabilidade buscando relacionar com o cotidiano na Ilha do Marajó e de como os recursos hídricos são importantes tanto na antiguidade como na atualidade.

Caindo no esquecimento: o patrimônio natural de Ananindeua, memórias ambientais

A modernização de uma cidade, em alguns momentos, pode deixar de lado a natureza e suas grandiosidades. Isso é péssimo! A cultura, a sociedade, os seres vivos não vivem sem ela. Desde que o mundo é mundo, o meio ambiente está presente em todas as mudanças feitas no espaço e tempo. A cultura depende também da biodiversidade, principalmente na Amazônia.

O Parque Antônio Danúbio, primeiro parque ambiental do município de Ananindeua - PA acabou caindo no esquecimento, da população, e será que também das políticas públicas? Ou será que até mesmo ele fora apresentado para a sociedade ananindeuense?



Recentemente, ao buscar o Parque na internet, especificamente no Google, você verá que o mesmo se encontra fechado. Segundo Murakami Vidigal (2021), o Parque tem um grande potencial patrimonial para a cidade de Ananindeua, mas infelizmente, sem a preservação e o cuidado populacional e governamental, esse tipo de coisa acaba ocorrendo, ou seja, ele fecha. É muito triste perceber que o primeiro parque ambiental da cidade está esquecido e largado, não existem mais as estruturas e atividades de antigamente. A fauna e a flora que ali existem, estão ali sobrevivendo, dentro de um centro urbano, e mesmo assim, não tendo reconhecimento de seus valores.

A biodiversidade, principalmente na Amazônia, fala demais de nossos habitantes. Dentro do próprio Parque podemos reconhecer a identidade, cultura e história de Ananindeua através desses símbolos naturais. Contudo, sem esse cuidado e valorização do espaço, acaba-se caindo no esquecimento, não sendo reconhecido o valor e a potencialidade do espaço. É importante conhecer o nosso passado, o nosso presente, para preservá-los também no hoje e no amanhã.

Falar do futuro requer falar antes de qualquer coisa do tempo presente. Como pensar em uma sociedade melhor se não estamos preservando o nosso próprio presente? O Parque como patrimônio pode ser um recurso em tempo de crise, articulando o passado, presente e futuro de uma região, além de memórias coletivas, identidade e semióforos. (HARTOG, 2019).

Será possível resgatá-lo? Se “salvo”, será que a comunidade também iria interagir cotidianamente no espaço?

Referências

HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.

MURAKAMI VIDIGAL, Victória Emi. Patrimônio Ambiental e Espaços Socioambientais e
Educativos no Parque Ambiental de Ananindeua Antônio Danúbio. Diálogos Ambientais
[recurso eletrônico]: com(ciência) e tecnologia. Belém – Pa: Cabana, 2020, p. 49 - 61.
Disponível em: https://drive.google.com/file/d/12FastWk_Qh-C1mfRrlMHxWRy12ZDRFS/view

*Victória Emi Murakami Vidigal é graduada em história pela Universidade Federal do Pará - campus Ananindeua e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Patrimônio Cultural - UFPA.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Nos tempos do Imperador

A estreia da novela “Nos tempos do Imperador” deixou as redes sociais alvoroçadas. Já recebi quatro pedidos de informação se realmente D. Pedro II esteve em Belém alguma vez, durante seu longo reinado. Engraçado que mandam junto vários posts, dos mais absurdos, daqueles historiadores de facebook bem empavonados cheios de verdades sinceras. Como a gente não sossega, lá vai, pois estou, não por acaso, escrevendo dois artigos sobre o assunto, junto com um ex-aluno e um aluno atual, nos quais a presença do imperador em Belém é parte da História.



Vamos lá. Sim. O Imperador esteve em Belém em 1876. Pedro II tinha planos de conhecer Belém por muitas razões – do viajante ao cientista, mas principalmente por razões de chefe de Estado. Lembre-se que desde a época de seu Pai, Pedro I, o título nobiliárquico de “Príncipe do Grão-Pará” era reservado ao segundo na linha de sucessão ao trono dos Bragança. O título fazia referência à então maior província do Império brasileiro, o Grão-Pará. Mais do que isso, contudo, o título simbolizava a integridade do Império, que compreendia em sua totalidade os antigos Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente denominado Estado do Grão-Pará. Esse é um tema importante nas simbologias da nação e a viagem às terras da Amazônia fazia parte desse encontro com a “pátria” verde. No entanto, a viagem foi ficando pra trás. 

Em 1866, com a abertura do Amazonas à navegação estrangeira, o assunto veio de novo à baila. Festa pomposa foi preparada. Para cá vieram inúmeros profissionais e artistas, numa cidade que crescia impulsionada pela exploração da borracha. Em 1864, a goma elástica já havia ultrapassado o cacau nas balanças de exportação. Vieram os cenógrafos Giuseppe Leone Righini e Henri Langlois, os fotógrafos imperiais Felipe Fidanza e José Thomaz Sabino e os tipógrafos e artistas Karl e Bernhard Wiegandt. Montou-se grande pórtico, no cais do Porto, na antiga Rua Nova do Imperador, ao modo de arco do Triunfo. Enfeitou-se a cidade. Sabino fotografou toda a cidade e mandou os registros para encorajar a viagem da reticente imperatriz, por seus problemas de saúde e também por receio de doenças palustres. Felizmente parte desses registros estão hoje na coleção imperial da Biblioteca Nacional.

A Amazônia era paraíso, mas era inferno também. Se hoje muitos brasileiros têm uma visão completamente exótica e deturpada das capitais amazônicas, imagine-se há 150 anos. Pois bem, por causa de problemas de saúde de D. Thereza Christina, o casal imperial não veio. Enorme frustração causou na cidade e tudo foi desmontado. Os opositores ao regime fizeram chacota da viagem que não aconteceu. Porém, 10 anos depois, a caminho dos Estados Unidos, à bordo do vapor Helvetius, no dia 4 de abril de 1876, às 18h, os imperadores entraram na baía do Guajará. Como que por vingança, um forte aguaceiro, chuva daquelas, impediu que o navio atracasse. A cidade, uma milha distante, apesar do temporal, era vista toda iluminada. No dia seguinte, bem cedo, às 5.30 (isso é hora de visita?), Pedro II e Thereza Christina pisam no porto. 

Tudo que fora desmontado há 10 anos foi novamente posto em pé. Fidanza fotografou. Muitas dessas fotografias que ficaram em coleções particulares foram destruídas na sanha republicana de 1889. A gente sabe bem o que é isso! Porém ficaram muitos relatos, fragmentos dessa história, registros de toda ordem. Lojas se preparam para vender as modas próprias para o evento. O poder público mandou limpar a cidade (ah como é parecido) e recolher os animais que perambulavam pelas ruas. Os comerciantes presentearam o imperador com uma linda obra de Righini. Um passeio pela Estrada de São José toda ladeada de palmeiras imperiais, ali plantadas em 1841 em honra à aclamação dele próprio. Mostraram toda a "Cidade Imperial": a Estrada da Constituição (atual Gentil Bittencourt) nomeada em homenagem à Constituição de 1824, a Rua da Imperatriz (atual 15 de novembro) em homenagem à d. Thereza Christina, as ruas da Glória e do Príncipe em homenagem à sua irmã D. Maria da Glória e a ele mesmo quando criança; a 2 de dezembro (atual Generalíssimo Deodoro) em homenagem ao seu aniversário. Os republicanos mudaram todos os nomes imperiais para apagar esse passado da memória.  As grandes associações culturais, ligas, irmandades fizeram comissões para a receber Suas Majestades. O Gabinete de Leitura Português ficou os dois dias aberto para visitas públicas. A Igreja de Santana, na Campina, onde se costumavam realizar as cerimônias alusivas à família imperial fez missa cantada com toda a pompa. O bispo D. Macedo, célebre opositor do imperador na “Questão Religiosa”, não se fez presente. 

Um grupo em especial guardou lembrança do encontro. Os membros da Imperial Sociedade Beneficente Artística Paraense. O título imperial foi um presente de Pedro II. Em sinal de reconhecimento uma carta laudatória, artisticamente preparada por Wiegandt, foi entregue aos monarcas por uma comissão montada em fino de traje: Antônio Rodrigues do Couto, administrador do jornal Diário de Belém; o capitão Manoel Martiniano Cavalleiro de Macedo; o tenente Candido de Deus e Silva; o conhecido livreiro Levindo Antonio Ribeiro; o escriturário da Recebedoria de Rendas da Província José Manoel Borges Machado, que esteve como tesoureiro da Artística em 1874; e por fim o preto alfaiate Simeão Estelita dos Reis Guimarães. Este famoso preto, assunto para outros momentos porque é história e é longa. 

E assim o Imperador passou somente um dia alegre na cidade que jamais esqueceria. Sua irmã D. Francisca de Bragança se apaixonou pelo quadro do Righini. D. Thereza Christina fez álbum das fotos e a princesa Isabel manteve o título de Principe do Grão-Pará ao seu primogênito Pedro de Alcântara, nascido em 1875, cujo retrato em pintura foi exibido na Igreja de Santana. Belém ficou com o belo retrato pintado pelo paraense Constantino Pedro Chaves da Motta, em 1875, que agradou ao Imperador, e que hoje está na coleção do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. 

Sabemos de tudo e muito mais, por causa da imprensa da época, do Diário de Pedro II, dos relatos do jornalista americano James O’Kelly, que acompanhava o imperador, os registros fotográficos da coleção imperial e inúmeros textos escritos por copiosa historiografia, de Ignacio Moura a Ernesto Cruz, de Mário Barata a Donato Mello Junior, de Augusto Meira Filho a Vicente Salles. Querem mais provas coevas, vão pesquisar. História não é bagunça. Boa noite e boa novela.

* Aldrin é professor do Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia na Universidade Federal do Pará. Dentre outros títulos, publicou o livro 'A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia: 1870-1950'. 

sábado, 9 de outubro de 2021

Mugunghwa: plantas como símbolo político

 'Round 6' é o novo sucesso da Netflix. A série apresenta a história de jogadores falidos que aceitam um estranho convite para um jogo de sobrevivência em busca de uma premiação milionária. Em uma das cenas mais marcantes, uma boneca gigante "brinca" como líder de costas para os outros participantes e diz uma frase: "Batatinha, 1, 2 3. Depois, ela se vira. Os jogadores precisam caminhar até onde está a boneca, mas só podem se mover quando ela não estiver olhando, caso contrário são excluídos.


Em sua língua original, o coreano, a boneca gigante diz  a frase "mugunghwa floresceu". A cena foi inspirada em uma brincadeira muito semelhante e tradicional na Coréia. Mugunghwa é como se chama na Coréia a hibisco-da-síria (Hibiscus syriacus), também conhecida como rosa-de-sarom ou mimo. A flor de hibisco é considerada símbolo nacional desse país asiático, sendo citada até mesmo no hino nacional sul-coreano. A referência ao vegetal se explica por sua resiliência em ambientes hostis e resistência diante de intempéries. 



Mugunghwa está presente nos relatos das civilizações asiáticas mais importantes como a Coréia e também a China, que passou a chamá-la de 'flor do paraíso'. A parte leste da península coreano já foi denominada de Geunhwahyang, que significa  “País das Mugunghwa” durante o governo da Dinastia Goryeo (57 aC - 935 dC). Registros pictóricos utilizam a flor de hibisco para representar poder e força. 

Por meio da natureza, neste caso a Mugunghwa , podemos ampliar nossa compreensão sobre a história de civilizações como a Coréia e sua relação milenar com as plantas. Destacamos também como ao longo do tempo espécies vegetais são utilizadas como emblemas de poder político e religioso. A própria Bíblia, no Antigo Testamento, já reconhecia a força da Mugunghwa (Cantares 2:1), o que nos faz refletir sobre a circulação de espécies na Antiguidade. 

Fonte: KIM, Mi-Hyun. A study on the development of fashion cultural products of national symbol using mugunghwa. Journal of the Korean Society of Costume, v. 62, n. 7, p. 29-40, 2012.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Interpretando os movimentos dos cabanos: entre as tomadas das vilas e o viver na natureza amazônica (1835-1840)


A Cabanagem é um dos episódios mais importantes da História da Amazônia. Os personagens humanos sempre estiveram no centro das discussões dessa temática. No entanto, a natureza é um elemento indispensável para ampliarmos nossa compreensão sobre esse capítulo da história. À convite do GRHIN, a profa. Magda Ricci (UFPA), uma das principais pesquisadoras desse tema, abordará a dimensão ambiental do movimento cabano na aula de abertura da disciplina 'História da Amazônia Oitocentista'.

Dia 05 de agosto, quinta-feira, às 15h30 pelo canal Historix no link https://youtu.be/2omuihyCYwM

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Borba Gato, os bandeirantes e o mundo natural

No ano de 1963 foi inaugurada na cidade de São Paulo uma estátua em homenagem ao bandeirante paulista Manoel de Borba Gato (1649–1718). Planejada pelo escultor Júlio Guerra, o monumento tinha como objetivo comemorar a atuação dos exploradores bandeirantes durante o período colonial no Brasil. Podemos falar em uma Memória Oficial que passou a considerar positiva a penetração das Bandeiras pelo interior do continente, sem criticar os prejuízos resultantes para as sociedades indígenas, negros e também para o meio ambiente. 

Desde 2017 a estátua de Borba Gato vinha sendo atacada por grupos de descontente com a Memória Oficial, reconhecendo esse monumento como um símbolo de tortura e pilhagem que marcaram a atuação das elites exploradoras coloniais. Em 2021, manifestantes atearam fogo na estátua, destruindo-a por completo. Tal ação parece acompanhar uma série de ataques a imagens escravocratas que ocupam praças e prédios públicos em diversas cidades por todo o mundo. 


Borba Gato tornou-se um importante administrador no sistema colonial portugues, chegando ao cargo de juiz ordinário da vila de Sabará. Sua notoriedade foi alcançada especialmente pela habilidade em ocupar áreas para extração mineral. Os documentos históricos registram sua perspicácia em negociar com diversas etnias indígenas ao ponto de se refugiar junto aos índios dos sertões da Bahia. Portanto, ele foi um súdito do monarca luso, bandeirante, que obedeceu e participou dos processos violentos de invasão do território.


Como bandeirante, Borba Gato percorria de forma diligente as florestas que cobriam os o sertão do rio Doce e o sertão do Parahytinga. Nos anos finais do século XVII, circulou com mais intensidade pelos rios e matas das regiões dos rios Grande e Sapucahy, explorando tabuleiros auríferos. Isso criava cada vez mais a necessidade de mão-de-obra escrava africana. 


No contexto das Bandeiras Paulista, a paisagem foi cada vez mais sendo transformada. Os leitos dos rios passaram a ser alterados para a extração principalmente de ouro que em nada beneficiava os moradores locais, mas sim enriquecia exclusivamente as nações europeias. 


O êxito das investidas bandeirantes pode ser melhor entendido quando trazemos os elementos ambientais para o centro da discussão. A negociação com os ameríndios permitia o conhecimento dos caminhos fluviais, modo de caça dos animais para a alimentação, confecção de instrumentos de pesca, qualidade das águas para matar a sede, locais e identificação de frutos nas matas e outras tantas questões desconhecidas dos exploradores.  Carvalho Franco, em sua obra Bandeira e bandeirantes de São Paulo (1940), aponta de maneira tímida as relações entre Borba Gato e o mundo natural, as travessias dos rios e a busca por caminhos seguros. 


Analisar a relação entre os bandeirantes e a natureza pode nos levar a reconhecer como o conhecimento indígena foi fundamental para a circulação dos exploradores no Brasil colonial. A natureza não foi apenas um cenário nesse contexto, mas sim um agente da história na medida em que impuseram inflexões aos planos dos agentes da Coroa portuguesa. 


Referência
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Bandeiras e bandeirantes de São Paulo. Brasiliana, 1940.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

As garças na história

A história das aves é fascinante por considerar não apenas a potente adaptabilidade dessas espécies, mas também pelas relações estabelecidas ao longo do tempo com outros seres vivos. Entre os humanos, elas são símbolo de liberdade e paz. 

As garças são aves que representam bem o que acabamos de dizer. Adaptaram-se em muitos e diferentes regiões do planeta, sendo registradas em manuscritos e pinturas por sua beleza e presença constante em espaços como lagoas, rios e outros espaços marítimos. 

É possível que os antepassados dos romanos as denominavam de Karkia, o que teria sido a raiz da palavra em espanhol Garza e posteriormente em português Garça. Importantes escritores romanos escreveram sobre sua resiliência. No Japão, as garças foram personagens pintados nos mais variados suportes, no entanto hoje só podemos conhecer algumas espécies de garças nesses afrescos, pois a garça japonesa foi extinta. 

Os antigos romanos retrataram garças em muitos de seus mosaicos para adornar suas residências. Os indígenas brasileiros também nos contam sobre a importância dessa ave para a cosmologia de algumas etnias - como os Desana que habitam regiões no Brasil e na Colômbia e explicam o universo e a própria origem humana por meio de uma constelação chamada 'constelação Garça' .

No Egito Antigo a ave legendária Benu (uma espécie de alma do deus Rá) adquiria a forma de uma garça e está presente em vários registros dessa civilização. Infelizmente essa espécie também foi extinta. 


A espécie denominada Garça-vaqueira teve sua presença relatada no Brasil pela primeira vez na década de 1960 no arquipélago do Marajó e hoje está adaptada em todo território nacional. A Garça-vaqueira é originária do continente africano e provavelmente migrou para a América do Sul viajando em embarcações que cruzavam o oceano Atlântico. Ela encontrou boa acolhida junto às criações de gado por todo o Brasil.

Ao observarmos a garça ao longo do tempo podemos perceber sua presença na cultura de diferentes civilizações na história. Também nos permite reconhecer a circulação e adaptação das aves em diferentes continentes do planeta. Isso amplia nossa compreensão sobre os personagens não humanos e a complexidade das relações entre os seres vivos na história.

sábado, 10 de julho de 2021

História, Ciência e Natureza (ebook)


História, Ciência e Natureza

Organizadores: Wesley Oliveira Kettle e Gabriel Pereira de Oliveira

Este e-book é fruto das discussões realizadas via webconferência nos dias 2 e 3 de dezembro de 2020 no XII Encontro Estadual de História da Anpuh-Pará, mais especificamente no Simpósio Temático "História, Ciência e Natureza". Apesar de todos os percalços e limitações de um debate realizado de forma remota, em meio ao cenário tão duro de pandemia da Covid-19, as discussões via webconferência possibilitaram a participação de pesquisadoras e pesquisadores de diversas partes não somente do Pará, mas mesmo do Brasil. E as reflexões sobre as relações entre grupos humanos e o restante da natureza ao longo do tempo, considerando inclusive o âmbito do ensino na Educação Básica, foram bastante interessantes.

Disponível para download gratuitamente na biblioteca do Laboratório Virtual de Ensino de História

terça-feira, 8 de junho de 2021

A perspectiva ambiental para aulas de história - palestra

 



Nesta terça-feira, 08 de junho às 18h, o prof. Wesley Kettle (UFPA) é o convidado do canal do youtube 'Me Conta Essa História' para refletir sobre o tema 'A perspectiva ambiental para aulas de história'. Haverá emissão de certificado. O link é:

terça-feira, 6 de abril de 2021

História ambiental nos STs da ANPUH 2021

31º Simpósio Nacional de Historia da ANPUH 

O prazo termina em 7 de abril para submeter comunicações:

ST 058. História Ambiental: ciência, fronteira e biodiversidade

Eunice Sueli Nodari (Universidade Federal de Santa Catarina), Lise Fernanda Sedrez (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Sandro Dutra e Silva (UEG/UniEVANGELICA)

Resumo: Este simpósio temático (ST), vinculado ao GT Nacional História Ambiental da ANPUH, visa reunir pesquisadores(as) com diferentes formações acadêmicas, dedicados(as) aos estudos ambientais em perspectiva histórica, para apresentar e discutir suas pesquisas. O ST adota três eixos para a discussão: ciência, como lugar da produção do conhecimento e da interpretação das sociedades humanas em interação com o mundo biofísico; a fronteira, móvel e dinâmica, espaço de contato entre diferentes grupos humanos e não humanos, lugar da alteridade e do conflito, e da descoberta de novas situações; biodiversidade, compreendida como parte dos ecossistemas e como patrimônio que resulta das múltiplas relações entre natureza e cultura. O ST valorizará a abordagem da História Ambiental Global, por promover a compreensão de complexidade dos processos socioambientais e acolherá trabalhos que tenham como temas: relações entre ciência e sociedade em perspectiva histórica; interações entre cultura e natureza; biodiversidade nas fronteiras; ciência, políticas e práticas de conservação da biodiversidade; história da ciência; a natureza como objeto da ciência; transformações da paisagem em regiões de fronteira; biomas brasileiros no olhar da ciência; circulação global de ideias, experiências, pessoas, micro-organismos, plantas e animais; patrimônio cultural, ciência e biodiversidade, entre outros.

https://www.snh2021.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=58


ST 059. História Ambiental: território, política e memória

Ilsyane do Rocio Kmitta (UEMS), Janes Jorge (História - Unifesp), Wesley Oliveira Kettle (Universidade Federal do Pará)

Resumo: A história ambiental tem registrado e problematizado diferentes perspectivas sobre a sustentabilidade e sobre os conflitos socioambientais que eclodem em diferentes contextos e temporalidades, desde temas clássicos, como a expansão do agronegócio sobre áreas naturais e os povos que ali viviam até novos desafios como o negacionismo. Agregamos a isso, os desafios da sustentabilidade e desenvolvimento seja em âmbito local, quanto regional ou global; os movimentos sociais, a antropização dos espaços, as paisagens culturais, as transformações naturais do mundo contemporâneo são temáticas que exigem estudos no campo das ciências humanas. O intuito é propiciar o diálogo entre diferentes abordagens teórico metodológicas e viabilizar a troca de informações entre pesquisadores, reunindo trabalhos que investigam as correlações entre História, território, política, memória e natureza, incluindo a dimensão simbólica.

https://www.snh2021.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=59


quarta-feira, 31 de março de 2021

Minicurso: História Ambiental e os dilatados Sertões do Norte nos séculos XVIII e XIX

 


MC 18 - História Ambiental e os dilatados Sertões do Norte nos séculos XVIII e XIX     




Sinopse: Nos séculos XVIII e XIX os sertões do Brasil estiveram em disputa, principalmente em relação às  relações com o mundo natural. Essa era uma questão crucial às tramas e negociações a envolver os projetos seja da Coroa portuguesa ou da Corte do Império brasileiro no Rio de Janeiro e as  particularidades do território dos sertões, com sua grande diversidade de povos e de seus outros  traços biofísicos. Nesse âmbito, para além de mero cenário estático para a ação dos indivíduos,  buscamos compreender o chamado mundo natural como um aspecto fundamental nos embates em  torno do projeto colonial como na construção do Império brasileiro. O nosso objetivo neste minicurso, então, é propor uma abordagem que lance mão de metodologias da história ambiental, história  política e da história da cartografia com o fito de refletir sobre os sentidos dos vastos sertões do  Norte durante os séculos XVIII e XIX, envolvendo áreas com traços biofísicos bastante  particulares, como zonas correspondentes hoje aos biomas de Caatinga e da Amazônia. Para isso,  analisaremos fontes como as correspondências dos capitães-mores e ouvidores de capitanias do  Norte, mapas, relatórios de presidente de província e anais parlamentares.






Ministrantes: 


Antonio José Alves de Oliveira - Doutorado em História - UFSC 


Gabriel Pereira de Oliveira - Doutor em História Social - UFRJ e Professor do IFRN 


Wesley Oliveira Kettle - Doutor em História Social - UFRJ e Professor da UFPA



Para se inscrever, consulte o nosso site (link na bio do Instagram ou no site https://doity.com.br/sehis), especificamente, no menu “Inscrições”. Em caso de dúvidas, contate a equipe de organização, pelo e-mail sehis.sertoes@gmail.com.


Identidade visual do evento:

A árvore representada é a  Cecropia sciadophylla Mart. (Embaúba, Imbaubão, Imbaúba-gigante), que integra a “Relaçam das madeiras descriptas que se comprehendem no Termo da Villa da Caxoeira : com amostras e estampas exactas das mesmas". Trata-se de um conjunto de desenhos sobre papel a bico de pena com tinta preta e aquarelados com tonalidades diversas, feitos por Joaquim de Amorim Castro no final do século XVIII a partir de observações no Recôncavo e nos sertões baianos. Fonte: AHU_ICONM_BAHIA_FAUNA-FLORA, D. 33 - 78.

domingo, 21 de março de 2021

Grupo de pesquisa História e Natureza - agenda 2021

O Grupo de pesquisa História e Natureza (UFPA/CNPq) reuni pesquisadoras e pesquisadores, estudantes e profissionais das mais diversas áreas do conhecimento que se interessam em investigar temas ligados a interface meio ambiente e sociedade no tempo. 

A seguir divulgamos o calendário de atividades neste 1º semestre de 2021.

Caso queira participar, envie um e-mail para grhin@ufpa.br

1º Semestre 2021

MARÇO

10 - reunião de planejamento

31 - Clube de leitura (texto para estudo e debate)
MORIN, Edgar. El pensamiento ecologizado. Gazeta de antropología, v. 12, 1996.

ABRIL

dia 08 - Itinerário botânico - Museu Nacional de arte antiga (Portugal)

dia 14 - Plantas na história: roteiro virtual pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Apresentação: Prof. Dr. Bruno Capilé (LABHEN-UFRJ)
Horário: 09:00
Local: Plataforma Google Meet

dia 20 - Palestra sobre Edgar Morin
Profa. Bruna Vasconcelos (Rede pública estadual do Paraná)
Tema: História ambiental, ensino de história e a teoria da complexidade de Edgar Morin

dia 28 - História do clima por meio da pintura
Palestrante: Prof. Pedro Isidoro (Universidade Aberta - Portugal)

dia 28 - Clube de leitura

MAIO

dia 12 - Mesa 'Hidrelétricas na ditadura brasileira'
Nathalia Capellini (Université de Versailles SQY - Paris Saclay)
Matthew Johnson (Georgetown University)
Mediador: Bruno Capilé (Laboratório História e Natureza)
Horário 17h pelo canal Historix

Dia 26 - Clube de leitura

JUNHO

Curso de extensão 01 a 29 de junho

dia 09 - Palestra

Clube de leitura (data a definir)


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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Cidade invisível, cidade dos encantados

por Aldrin Figueiredo

Acabei de assistir, nesse carnaval chocho, o último capítulo da série brasileira para a Netflix Cidade Invisível. Merece outra temporada e espero que incentive os produtores e diretores nessa trilha do fantástico com gosto local. O personagem central da trama é um fiscal ambiental, interpretado pelo ator Marco Pigossi, que perde a esposa (Julia Konrad) e acaba se envolvendo em uma batalha entre a realidade e um mundo invisível habitado por seres fantásticos, todos muito conhecidos do folclore brasileiro. Está mais, no entanto, para X-Men do que para Sitio do Pica-Pau Amarelo, com todo o suspense que se tem direito.



O nome da série Cidade Invisível se refere à cidade dos encantados, uma espécie outra dimensão da realidade, que pode ser adentrada pelos seres encantados ou pelo pajé (que tem esse dom xamanístico de transitar entre os mundos). Na série o tema é tratado de modo muito criativo, embora pudesse aprofundar os efeitos especiais. Quem já teve oportunidade de conversar com um pajé ou curador, sabe que na terra do fundo, os seres inanimados podem ganhar vida, uma cadeira pode ganhar a forma de onça, por exemplo. Ou, como me disse uma vez dona Zenaide, pajé do Cucuí, em Alenquer: lá é igual aqui, só que diferente. (algo Guimarães Rosa). É o duplo, o espelho, outro lado. Como vemos, o assunto já foi tema de Platão, de Freud, de Lewis Caroll, de Dalcídio Jurandir.

Acho que a maioria das pessoas vai estranhar, por exemplo, a Cuca, que na série não tem nada que ver com a jacaroa de Monteiro Lobato. A cuca Netflix (muito bem vivida por Alessandra Negrini) é muito mais próxima à Matinta-Pereira, bruxa amazônica, que tem entre seus fados a capacidade de voar, na forma de um papagaio. Na série, a Cuca vira borboleta, algo absolutamente comum no imaginário amazônico colonial, inclusive descrito com toques realísticos no Livro da Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, em 1764, com detalhes sobre os grandes olhos da mariposa. Seu poder é o de penetrar nos sonhos, durante a vigília, e visitar a memória e o inconsciente das pessoas.

Outro personagem interessante é o do Saci (Wesley Guimarães), cuja narrativa está entre o drama da escravidão, quando perde a perna depois de um castigo, e a esperteza do menino que some no redemoinho. O saci, descrito no século XIX era como o pesadelo, preto retinto, de capuz vermelho, que aparecia no sonho. Pádua Carvalho anotou em Belém uma detalhada narrativa dessa história em 1886, que fez com que isso chegasse a Paris, pelas mãos de Santa-Anna Nery e do príncipe Roland Bonaparte.

Há também o Tutu, apelido do catitu. O mito do homem que vira porco, algo próximo mas diferente do lobisomem, labisônio, homem-cachorro, homem-lobo. O Tutu (Jimmy London) é o porco que mete medo nas correrias e que faz o som da mandíbula das queixadas. Eu mesmo, encontrei, na pesquisa do mestrado, uma história de um desses, em Belém, que fazia visagem no largo da Sé. Na série se aproxima mais do Tutu Marambá, que alguns consideram de origem africana. Tutu viria de Quitutu, que em quibundo significa justamente ‘comer’. É de onde vem a palavra quitute ou, por esse lado, o tutu de feijão dos mineiros, por exemplo. Assim também a Iara, que nem precisa falar nada, mas que na série é sereia e tem o poder de hipnotizar pelo olhar e pelo canto, dentro e fora da água. É preta (a linda Jéssica Córes), meio Marabô ou Oguntê, do repertório afro-brasileiro, pois diferente da mãe d´água cabocla, essa sai da água tranquilamente, veste roupa e sobe ladeira.

Os grandes entes da série são o boto (Victor Sparapane) e o curupira (Fábio Lago, estupendo). O boto não vou falar porque é spoiler demais. Tem que ver. O curupira faz todo o sentido, pois é de fato o grande protetor da mata. Domina o fogo no cabelo e mete medo até no Jurupari. A Netflix que lute! Teria que ler Stradelli e Nimuendaju, e conversar com a dona Cruzinha no Pacoval, sobre o Jurupari Taraca. E, por fim, o trunfo da série sem dúvida está no modo de contar do diretor Carlos Saldanha. O cineasta e animador brasileiro é mais conhecido por seu trabalho no exterior, inclusive foi indicado duas vezes ao Oscar e é responsável pelas animações A Era do Gelo, Rio e O Touro Ferdinando. Vale a pena assistir a série principalmente para quem nunca ouviu nada disso, nem leu ou não sabe de nada sobre o assunto, pois terá um olhar contemporâneo dos mitos indígenas, que fizeram compor o chamado folclore brasileiro, para lembrar Câmara Cascudo, cujo livro é folheado na trama. É o local de modo universal, e ao invés de pitoresco, o existencial.

Aldrin Figueiredo é professor na Universidade Federal do Pará e autor da obra 'A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia: 1870-1950'.