Cachoeira de Paulo Afonso, E. F. Schute (1850). Acervo do MASP |
Cerne de debates intensos nos últimos anos, a transposição do rio São Francisco é um dos principais empreendimentos de infraestrutura em andamento hoje no Brasil. Sua grande premissa é a de levar água para áreas com os menores índices de chuva no país. Os questionamentos ao projeto, entretanto, não são poucos. Além das controvérsias quanto aos impactos ambientais e ao alcance dos benefícios, os custos crescentes e o grande atraso nas obras têm esquentado as discussões sobre o tema.
No entanto, levar
águas do São Francisco para outras paragens não é um projeto de todo novo. Em
meados do século XIX, por exemplo, a ideia de obras hidráulicas similares foi
alvo de debates acalorados.
Com o intuito de
pensar a historicidade desse tipo de proposta, Gabriel Pereira de Oliveira
defendeu no último dia 2 de junho, em Belo Horizonte, a dissertação “O rio e o
caminho natural: propostas de canais do São Francisco, aspectos físicos
fluviais e dinâmicas políticas no Brasil Império (1846-1886)”, pelo Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. O
trabalho teve a orientação da professora Regina Horta Duarte (UFMG), e
participaram da banca de avaliação os professores Eurípedes Funes (UFC) e Júnia
Furtado (UFMG).
Em
diálogo com pressupostos do campo da História Ambiental, história da
cartografia, história das ciências, além da historiografia sobre o Brasil
Império, a dissertação analisa as proposições dos então chamados canais para o
São Francisco entre 1846 e 1886. Durante esse período, a canalização
relacionou-se de modo bastante singular com aspectos políticos e econômicos da
nação que buscava se afirmar sob a batuta dos valores do mundo moderno.
Defesa da dissertação de Gabriel Pereira de Oliveira |
Por
meio da análise de fontes como mapas, estudos de engenheiros e discursos
parlamentares, a dissertação se pauta na compreensão dos planos de canalização
em meio aos litígios especialmente pelo controle do São Francisco e em torno da
questão das secas. A ideia é ver como as propostas de canais, articuladas a
projetos de poder, fizeram-se imersas em disputas acirradas sobretudo com
planos de estradas de ferro e de açudes. Nesses conflitos em torno de arranjos
do território nacional, grupos de diversas províncias buscaram legitimar as
projeções que lhes seriam mais convenientes como as mais adequadas, os caminhos
naturais do rio.
Embora
os projetos de canal não tenham sido realizados na época, o conhecimento de
suas discussões e mesmo de sua não concretização pode contribuir à reflexão
sobre as relações entre seres humanos e natureza, bem como sobre contendas e
arranjos políticos no Brasil oitocentista. Além disso, se
hoje tende a parecer lógico que a transposição se volte ao combate à seca, o
estudo dos sonhos daquelas obras hidráulicas no século XIX pode ser fundamental
à compreensão de como as motivações e os contornos do projeto não são tão
óbvios assim, mas vem desenhando-se sob aspectos bastante peculiares no
decorrer do tempo e em diferentes espaços, imersos nas relações entre água e
poder.
Para saber mais, abaixo o link para escutar o programa de rádio sobre o tema
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