quarta-feira, 17 de junho de 2015

A transposição do rio São Francisco sob um olhar historiográfico

Cachoeira de Paulo Afonso, E. F. Schute (1850). Acervo do MASP
Cerne de debates intensos nos últimos anos, a transposição do rio São Francisco é um dos principais empreendimentos de infraestrutura em andamento hoje no Brasil. Sua grande premissa é a de levar água para áreas com os menores índices de chuva no país. Os questionamentos ao projeto, entretanto, não são poucos. Além das controvérsias quanto aos impactos ambientais e ao alcance dos benefícios, os custos crescentes e o grande atraso nas obras têm esquentado as discussões sobre o tema.

No entanto, levar águas do São Francisco para outras paragens não é um projeto de todo novo. Em meados do século XIX, por exemplo, a ideia de obras hidráulicas similares foi alvo de debates acalorados.

Com o intuito de pensar a historicidade desse tipo de proposta, Gabriel Pereira de Oliveira defendeu no último dia 2 de junho, em Belo Horizonte, a dissertação “O rio e o caminho natural: propostas de canais do São Francisco, aspectos físicos fluviais e dinâmicas políticas no Brasil Império (1846-1886)”, pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. O trabalho teve a orientação da professora Regina Horta Duarte (UFMG), e participaram da banca de avaliação os professores Eurípedes Funes (UFC) e Júnia Furtado (UFMG).

Em diálogo com pressupostos do campo da História Ambiental, história da cartografia, história das ciências, além da historiografia sobre o Brasil Império, a dissertação analisa as proposições dos então chamados canais para o São Francisco entre 1846 e 1886. Durante esse período, a canalização relacionou-se de modo bastante singular com aspectos políticos e econômicos da nação que buscava se afirmar sob a batuta dos valores do mundo moderno.

Defesa da dissertação de Gabriel Pereira de Oliveira

Por meio da análise de fontes como mapas, estudos de engenheiros e discursos parlamentares, a dissertação se pauta na compreensão dos planos de canalização em meio aos litígios especialmente pelo controle do São Francisco e em torno da questão das secas. A ideia é ver como as propostas de canais, articuladas a projetos de poder, fizeram-se imersas em disputas acirradas sobretudo com planos de estradas de ferro e de açudes. Nesses conflitos em torno de arranjos do território nacional, grupos de diversas províncias buscaram legitimar as projeções que lhes seriam mais convenientes como as mais adequadas, os caminhos naturais do rio.


Embora os projetos de canal não tenham sido realizados na época, o conhecimento de suas discussões e mesmo de sua não concretização pode contribuir à reflexão sobre as relações entre seres humanos e natureza, bem como sobre contendas e arranjos políticos no Brasil oitocentista. Além disso, se hoje tende a parecer lógico que a transposição se volte ao combate à seca, o estudo dos sonhos daquelas obras hidráulicas no século XIX pode ser fundamental à compreensão de como as motivações e os contornos do projeto não são tão óbvios assim, mas vem desenhando-se sob aspectos bastante peculiares no decorrer do tempo e em diferentes espaços, imersos nas relações entre água e poder.

Para saber mais, abaixo o link para escutar o programa de rádio sobre o tema

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