segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Drummond, a pedra e o historiador

Em Itabira - MG, no ano de 1902, "um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida". Hoje comemoramos esse dia - aniversário do poeta, contista e cronista Carlos Drummond de Andrade.

No reino das palavras, os poetas são os seres em quem podemos encontrar o melhor contato com a Natureza (plantas, animais, o mar, etc...). Por isso gostaríamos de destacar brevemente dois poemas de Drummond que nos parecem interessantíssimos para refletirmos um pouco sobre a relação entre o homem, a natureza e a história.

O primeira é o poema "A folha":

A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é a ilusão das coisas?

Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou, para ser senhor
de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?

A pretensão de ser homem
e não coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do Prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.

Drummond, por meio desses versos, me faz pensar que a ideia de natureza que temos (ou que os personagens históricos que estudamos tem) é "ilusão das coisas", em outras palavras, é uma visão, em grande medida, particular - aquilo eu vejo a partir das minhas experiências em contato com o mundo material.
Outro ponto que me chama atenção é a forma como o poeta aborda o desejo do homem de ser algo apartado da natureza - não "ser coisa ou caracol", e como critica essa "pretensão". Diz sabiamente que somos natureza, sem dizer.

O outro poema que gostaria de citar é "No meio do caminho", publicada na Revista de antropofagia, em 1928:

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Gostaria de usar esses versos, talvez os mais conhecidos de Drummond, para chamar atenção daqueles que se ocupam em ensinar história ou pesquisá-la, que é preciso levar em consideração os conflitos e que as pedras no caminho não devem ser lidas apenas no sentido metafórico, que tão bem se encaminha na poesia, mas também no sentido material.

Aproveito o dia de hoje para tomar a liberdade de dizer que "a pedra no meio do caminho" muitas (e muitas) vezes era rocha, aquele agregado sólido que ocorre naturalmente e é constituído por um ou mais minerais ou mineraloides.

Minha intenção aqui não foi retirar o sentido metafórico das palavras de Drummond (nem conseguiria), mas partindo delas chamar atenção para a relevância (e não determinismo) dos fatores físicos/biológicos na caminhada dos homens na história.
Wesley Kettle

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