sábado, 30 de agosto de 2014

História Ambiental na China: professora Shen Hou

prof. Shen Hou
Shen Hou é professora de História da Universidade Renmin, de Pequim, a pesquisadora esteve no Rio para o simpósio Diálogo em História Ambiental: Brics. A entrevista é de FLÁVIA MILHORANCE

“Tenho 37 anos e cursei História na China. Na faculdade, li um livro de Donald Worster traduzido pela minha mãe sobre a história ambiental dos EUA. Fiquei fascinada de saber que a História poderia ser escrita de uma forma totalmente diferente. Por isso, inscrevi-me e fui aceita para estudar em sua equipe no Kansas”

Conte algo que não sei.

Existe um mito de que a China — assim como civilizações antigas em geral — tinha uma relação harmoniosa com a natureza no passado. Os próprios chineses gostam de se enganar sobre isso, dizendo que os problemas ambientais foram causados pela influência do Ocidente e da industrialização, mas não é verdade. A China tem uma longa tradição de esgotar seus recursos naturais.

Pode citar um exemplo?

Na Dinastia Tang (618-907), a capital era Chang'an, que está a oeste. Depois mudou-se para Luoyang, a leste. A razão principal foi buscar uma parte menos explorada do país. Todas as florestas foram cortadas, o que levou à erosão do solo e às frequentes inundações. Também já não havia plantações suficientes, e era preciso trazer alimentos de outras partes do país. Ou seja, mesmo no século VII a China vivia uma crise ambiental.

Isso seria por causa do tamanho da população?

Certamente é um dos fatores. A população chinesa sempre foi muito grande. No final do século XIX, já eram 400 milhões de pessoas. E a população é uma grande razão para todos os tipos de problemas ambientais.

A China é um dos países com altos níveis de poluição, exploração de recursos naturais e da biodiversidade etc. Você, como chinesa, sente cobrança internacional sobre esse panorama?

Considero boas as críticas. A China precisa delas. É por causa delas que o governo vem dando mais ênfase em regulação ambiental. Mas a China é a fábrica do mundo, produz bens não só para si, mas para diversos países. Não podemos culpá-la por todos os problemas ambientais, é injusto com a população chinesa.

Quando os chineses começaram a ter maior consciência ambiental?

Principalmente no século XXI. Os Jogos Olímpicos de Pequim, de 2008, tiveram um papel muito importante. Quando a China soube que seria sede, alguns anos antes, a poluição em Pequim já era uma questão alarmante para a comunidade internacional. O governo chinês teve que tomar medidas, e o slogan se tornou “Olimpíadas verdes”. A questão ambiental ganhou então maior importância na sociedade. O poder da internet intensificou isso, porque o governo chinês não poderia mais cobrir os problemas. Essa parte se tornou mais transparente. Ainda há muita coisa encoberta, mas o governo hoje promove o debate.

Em abril, foi aprovada uma nova lei de proteção ambiental para combater a poluição. O país está encontrando o seu caminho?


A China tem leis ambientais perfeitas se fossem comparadas a qualquer país. O problema é implementá-las. O governo federal aprova as leis, mas os governos locais têm sua própria estratégia e se preocupam mais com interesses econômicos.

É possível, no caso chinês, pôr na mesma frase “crescimento econômico” e “sustentabilidade”?

Essa não é só uma preocupação chinesa, mas da maioria dos países. Não acredito que qualquer país possa realmente fazer isso. É preciso sacrificar um lado: ou o crescimento econômico ou o meio ambiente.

Conhecendo o passado ambiental chinês, qual é sua visão do seu futuro?

Sou essencialmente pessimista (risos). Claro que há aumento da consciência, e este simpósio no Rio é um exemplo. Mas não sei se teremos tempo para implementar mudanças. Acredito que vamos encontrar novas fontes de energia, ter regulação para frear a poluição, mas não sei se podemos lidar com a tendência de extinção da biodiversidade, da destruição da paisagem natural. E não queremos viver num mundo com um aspecto desolador, sem natureza, não queremos algo totalmente criado ou controlado pelo homem.

Fonte: O globo

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