A escola de samba Paraíso do Tuiuti, com sede no bairro carioca de São Cristóvão, escolheu como enredo 2023 a história da introdução do búfalo (Bubalus bulalis) na Ilha de Marajó - extremo Norte do Estado do Pará. O desfile ocorrido na noite de segunda-feira além de muito bem avaliado pela crítica pela profusão de cores, o diálogo com a rica cultura paraense e um samba enredo contagiante também foi uma aula de história ambiental.
Assim como outras espécies animais e vegetais, o Pará foi a porta de entrada dos búfalos no Brasil. Relatos informam uma história distinta daquela apresentada pela Tuiuti. Em fins do século XIX, colonizadores ingleses e franceses que circulavam pela costa brasileira com destino a Guiana Francesa e o Caribe teriam desembarcado búfalos no Marajó de maneira proposital.
Os registros da Associação Brasileira de Criadores de Búfalo (ABCB) indicam que em 1902 o sr. Bertino Lobato de Miranda importou búfalos de Itália para sua Fazenda São Joaquim. Outro documento aponta para uma segunda importação, desta vez em 1906 realizada pelo advogado e folclorista Vicente Chermont de Miranda para sua Fazenda Dunas e Ribanceira.
As contradições históricas e eventuais equívocos do enredo não desmerecem de forma alguma a aula de história ambiental dada pelo Paraíso de Tuiuti. Além de nos remeter a primeira grande batalha ocorrida na Guerra do Paraguai, a palavra Tuiuti curiosamente em tupi-guarani significa 'lamaçal', 'pântano'e/ou 'variedade de ave branca'. Podemos estabelecer alguma relação com o búfalo que habita locais alagadiços, pantanosos e tem seu dorso visitado por aves brancas.
Ao escolher o búfalo como protagonista da história, a Tuiuti foge de uma história que privilegia os seres humanos e reafirma o antropocentrismo. O enredo amplia nossa compreensão sobre o passado ao pensar sobre a circulação e aclimatação de animais em diferentes partes do planeta. Também aproxima a fauna asiática da natureza amazônica, refletindo sobre múltiplos intercâmbios (isso está presente em todas as alas do desfile). Conhecemos, portanto, o passado brasileiro a partir de um ângulo novo e mais interessante para o grande público. Uma oportunidade de escrever uma história atrativa que conecta mistérios indígenas, economia pecuária eurodescendente e cultura musical afro-indígena.
A partir do búfalo como personagem central, desenrola-se uma história potente. Assim é a história ambiental, uma proposta que amplia nossa compreensão sobre o passado, revelando novas perspectivas sobre temas importantes. Assim é a história dos animais, uma maneira de incluir novos personagens no centro do debate, questionar os prejuízos dos estudos antropocêntricos sem deixar de lado as questões das sociedades humanas. A escola Paraíso do Tuiuti descobriu essa potencialidade, outras escolas ainda não.
Fontes
SANTOS, Jannes Mendonça dos. Atualidades na produção de búfalos na ilha do Marajó- Pará. Orientador: Sebastião Tavares Rolim Filho. 2020. 19 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Zootecnia) – Universidade Federal Rural da Amazônia, Campus Belém, PA, 2020.
MINERVINO, Antonio Humberto Hamad et al. Bubalus bubalis: a short story. Frontiers in veterinary science, v. 7, p. 570413, 2020.
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