quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A natureza arretada de Luiz Gonzaga

Toda vez que vou escrever sobre um filme começo dizendo que não é minha pretensão fazer uma crítica cinematográfica propriamente dita. No caso deste post nem se eu quisesse. O filme em questão é "Gonzaga, de pai para filho", lançado neste que é o ano do centenário do nascimento do Rei do Baião.

Disse ser impossível fazer qualquer crítica cinematográfica (se ao menos soubesse) porque essa história explica parte da minha vida e da relação que tive com meu avô Orisvaldo Gonzaga. Todas as vezes que me repreendia dizendo: "respeite o Januário" e todas as histórias do sertão nordestino que ele me contava. O chapéu de couro que ganhei quando criança e as expressões do filme tiradas do palavreado de minha mãe.

Por tudo isso, quero dizer que gostei muito do filme, e que a relação dele com a natureza é secundária nesse post - apesar de não parecer, pois a história do rei do baião é de certo modo a trilha sonora da minha vida com meus avós, minha mãe e o Nordeste. E são essas coisas que realmente importam na vida.

Dito isso, quero passar para a segunda parte, apresentando a pergunta que move as palavras a seguir: como a natureza aparece na obra e na vida de Luiz Gonzaga?

O primeiro ponto que me chama atenção deles é a descrição do sertão pernambucano impressa em suas músicas, como em "Luar do sertão", ABC do sertão" e "Alegria de pé de serra". As letras de suas canções além de permitirem os brasileiros da região sul-sudeste conhecer, de certa maneira, a paisagem do sertão nordestino, não esquecem de destacar (com propósito poético) a interação do sertanejo com o lugar vivido.

Para Luiz Gonzaga, a saudade de sua terra é um dos grandes motivos de sua música, como em "Vaca Estrela e boi Fubá" ele explica sua saída por conta de uma "seca medonha", descreve o cotidiano sertaneja no trato com os animais e completa destacando sua saudade dos animais que o faziam feliz: a vaca Estrela e o boi Fubá. O ambiente pastoril e as dificuldade do lugar seco são conflitantes em suas canções.

A água também aparece como um problema em "A cheia de 24", nessa canção Luiz Gonzaga descreve o grande sofrimento dos sertanejos diante da fúria das águas:

Descia gado e cavalo / Pato, peru e galinha
Cabrito, porco e carneiro / Tudo o que o povo tinha
Os açudes não podiam / Tantas águas suportar
Rio, riacho e lagoa / Tudo junto num só mar

O "Xote ecológico" é outra canção que percebemos de maneira direto o olhar do autor para com a natureza ao seu redor. Além do sertão, Gonzaga também cantou o litoral nordestino e preocupo-se nesse xote de reclamar a destruição do meio ambiente e até daqueles que lutam pela conservação.

Não posso respirar, não posso mais nadar
A terra está morrendo, não dá mais pra plantar
E se plantar não nasce, se nascer não dá
Até pinga da boa é difícil de encontrar

Cadê a flor que estava aqui?
Poluição comeu.
E o peixe que é do mar?
Poluição comeu
E o verde onde é que está ?
Poluição comeu
Nem o Chico Mendes sobreviveu

 

O filme "Gonzaga, de pai para filho", com sua fotografia, retrata bem a natureza da região da Serra do Araripe por onde o rei do baião andava quando ainda não tinha coroa. Nos permite pensar como a produção artística de um homem como ele é pensada também a partir da interação com esse mundo físico - e isso na obra de Luiz Gonzaga é extremamente forte. O diretor Breno Silveira foi muito feliz quando escolheu como ponto de referência da história uma árvore de juazeiro, ali se desenrolam conflitos e reconciliações. Nada mais simbólico para contar a trajetória de um rei que descreveu a natureza com a  sanfona. 

Recomendo aos amigos que acessam nosso blog assistirem "Gonzaga, de pai para filho", e entre outras coisas certamente mais importantes (como já disse no começo desse post) perceber como a natureza deve ser percebida para entender nossa trajetória.

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