O Brasil é o campeão mundial em incidência de raios no mundo, atingido cerca de 50 milhões de vezes por ano. Isto causa, em média, 130 mortes e 500 ferimentos graves. É claro que intensas descargas elétricas vindas da atmosfera influenciariam, de alguma forma, a trajetória histórica do país. Foi pensando na relação entre os fenômenos naturais e o nosso passado que surgiu Fragmentos da Paixão, o primeiro documentário a tratar de raios aqui. Com lançamento marcado para o dia 11 de outubro, o filme pretende desmistificar a máxima de que um raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar. Principalmente se for uma estátua como a do Cristo Redentor, que recebe cerca de 20 raios em cada verão.
“À época do Brasil Colônia, ter medo de fenômenos naturais era uma coisa normal, já que ainda não havia explicações científicas para tais acontecimentos”, contextualiza a historiadora Mary Del Priore. Isso incluía até os monarcas. D. João VI, um medroso confesso, escolheu morar na plana Quinta da Boa Vista ao invés de no Mosteiro de São Bento, que fica no alto de um morro do Rio de Janeiro. “Ele não foi o único. A princesa Leopoldina assumia igual fragilidade”, completa a professora.
Para a diretora do filme, Iara Cardoso, graças à ousadia do roteiro, encontrar quem acreditasse no projeto foi o maior desafio. Foram selecionadas seis pessoas comuns, seis vidas distintas afetadas por raios em diferentes ocasiões, para ancorar três blocos temáticos da narrativa: medo e paixão, tragédia e sucesso, guerra e paz. “Estamos inovando no conteúdo e no formato, misturando linguagem telejornalística e cinematográfica”, explica a diretora, que aponta esta característica como a de maior aproximação com o público.
A produção durou cerca de três anos e teve orçamento de R$ 500 mil. Segundo o coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Osmar Pinto Junior, diversas bibliotecas e arquivos públicos foram fontes importantes para a pesquisa, como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional. “Foram pesquisados mais de mil livros, todos publicados do século XVI para cá”, comenta o coordenador do Elat.
“Essa relação entre homem e natureza está presente em todas as situações relacionadas ao mundo biofísico. E pode ser explicada de maneira mítica, religiosa ou científica, empiricamente mesmo”, sugere o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, José Augusto Pádua, que conclui chamando a atenção para a profunda associação entre o meio e o imaginário popular. “Quando temos um problema, não falamos ‘raios que me partam’? A nossa linguagem é construída através da interação com a realidade de um mundo de sabores, odores, ruídos, sons e experiências. É aí que a vida humana acontece”.
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