Por Moema Alves*
Há alguns meses, fazendo
um passeio de barco com um pescador por alguns furos da vila de Algodoal, que
fica na Ilha de Maiandeua, município de Maracanã (PA), ouvi várias lendas e histórias
sobre os moradores mais antigos do local. Aprendi porque o tralhoto, simpático
peixinho amazônico que parece pular sobre a água, vive na superfície, e porque
o baiacu é pintado de branco e verde. Soube, também, que seu pai chegou a ver a
Princesa, mulher loura e encantada cuja beleza maravilha os homens da ilha.
Quando lhe perguntei se
ele próprio já tinha tido a oportunidade de vê-la, disse que não, mas que há
uns quatro anos viu a Curupira e se perdeu por conta de seus encantamentos para
evitar que ele continuasse a catar caranguejos. E depois de uma breve pausa,
comentou, quase como um desabafo, que essas histórias que ele estava me
contando eram muito comuns antes, “no tempo dos antigos”, mas que agora esses
encantados não ficavam mais por lá, estavam “sumindo”...
- “Sumindo, Seu Dico?
Como assim?”
E a explicação veio de
forma tão simples e tão certeira, que até me sensibilizou: nos últimos anos,
muita gente da cidade foi morar na ilha, pessoas que não conhecem aquelas
histórias como os antigos conheciam e principalmente, que não acreditam nelas.
Como os antigos foram morrendo e os novos não acreditam no mundo dos
encantados, eles se mudaram para outras localidades mais longe. Além disso,
agora a ilha atrai muitos turistas, muita gente diferente, fazendo com que as
entidades não fiquem à vontade para aparecer.
E dessa forma, Seu Dico
explicou a importância da crença para a sobrevivência dos entes fantásticos tal
qual J. M. Barrie explicou em Peter Pan. Se em seu livro, as fadas morrem quando
as crianças deixam de acreditar nelas, em Algodoal, na narrativa de Seu Dico, os
encantados se mudam para onde acreditem neles. Se em Peter Pan é a inocência e
a credulidade das crianças que permitem que as fadas vivam, nos pontos mais
afastados dessa gostosa ilha paraense, onde ainda não tem tantas pessoas para
questioná-las, as lendas também ainda podem viver tranquilamente.
Assim, um despretensioso
passeio de barco tornou-se bem mais que uma agradável apreciação da natureza,
foi uma verdadeira aula sobre memória local e tradição oral; sobre lendas
amazônicas; sobre como os processos de ocupação vão influenciando nas formas de
vivenciar um local. Terminei o passeio agradecendo a oportunidade de ouvir
aquelas histórias e torcendo para que elas perdurem na narrativa local; saí
querendo que aquelas explicações de mundo e formas de entender a natureza não
precisem mais se mudar...
E se cada vez que uma
criança diz que não acredita em fadas, em algum lugar uma delas morre, cada vez
que um adulto deixa de acreditar nas histórias de encantados, um deles também
morre nas narrativas de lugares como Algodoal. Não vamos ser nós que vamos
contribuir para isso, não é? Então repitam comigo: “Eu acredito em encantados!”.
*Historiadora, especialista em Patrimônio e doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense.
5 comentários:
Que bonitinho o relato dessa expriencia.
Eu acredito em encantados.
Eu acredito em encantados.
Eu acredito em encantados.
PS. Égua da menina prá escrever bonito.
Moema, você tem dedos de porcelana e alma delicada.Lindo texto. Só poderia ser filha do Ivan mesmo.
Abraço beijo, goiabada com queijo.
Ronaldo Guimarães
Escritor, professor e pedagogo.
Égua mano super linda as palavras, a forma que você ouviu e se expressou.
Eu acredito em encantados sim!!!
Hoje estou em algodoal e tudo aqui tem algo espiritual.
Esse lugar é encantado.
Amei❤️
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