O filme "O Abraço da Serpente", lançado em 2016, com direção do colombiano Ciro Guerra, imerge nos sinuosos rios e imediações da Amazônia colombiana, em uma jornada entre duas temporalidades - os séculos XIX e XX, sendo fundamentado em pesquisas nos diários de expedições dos antropólogos Theodor Koch-Grunberg e Richard Evan Schultes. A sensibilidade semiótica da direção, integralmente em preto e branco, remetendo às fontes etnográficas clássicas, nos envolve em uma natureza que não se limita apenas ao palco da narrativa, transmutando-se também em um personagem, um sujeito meta-humano, que modifica e é modificado pelos seres, sincronicamente, durante todo o percurso. O próprio título reflete a composição sensorial do enredo, quando nos permite ter uma impressão visual do corpo da cobra realçada nas curvaturas dos rios, e os sons da floresta geram uma atmosfera que nos leva a adentrar os mistérios da mata fechada. Logo, é uma narrativa que leva o expectador a ser realmente abraçado por essa serpente que integra o mundo biofísico amazônico, num labirinto de texturas, sons e contrastes.
Somos defrontados por episódios que expõe as marcas da
colonialidade nas Américas; o ciclo da borracha, as missões catequizadoras, o
messianismo, o desenvolvimento da ciência, entre outros temas corriqueiramente
encontrados em relatos escritos por viajantes do período. No entanto, o filme
nos instiga a ir além do silêncio destas palavras que atravessaram o tempo, e
trouxeram consigo o arquétipo de um índio singular e monocromático. Aqui, o
não-dito toma forma, e nos mostra os
indígenas, plurais, em várias
nuances - indivíduos com agências e dissidências em meio a estes eventos, que
expressam diferentes posicionamentos e formas de lidar com os entraves
coloniais ao longo da trama. Karamakate, que teve seu povo totalmente dizimado
pelos europeus, enxerga na colonização o signo da violência e destruição de
tradições e existências, renunciando qualquer tipo de contato ou acordo ao
isolar-se dos brancos e de outros povos que se relacionam com os colonizadores
para preservar sua ancestralidade. Já Manduca, ajudante do cientista Theodor,
aderiu aos costumes ocidentais e vê a ciência como horizonte para propagar
conhecimento sobre os povos indígenas aos brancos.
A percepção dos personagens sobre alguns objetos nos
convida a refletir sobre os paradigmas da alteridade, e a colisão cultural do
encontro com a outra margem para além do Eu, o Outro. A utilização do mapa para
guiar o caminho, que é uma representação sintética do espaço, a compressão de
um “cenário” complexo, vivo e dinâmico, incomoda Karamakate, que interage com o
espaço de forma mais espontânea, sem um objeto mediando o contato da paisagem
com o ser, com o trajeto guiado pelo fluxo temporal da natureza, e não do ser
humano. A densa carga que ambos europeus relutam em se desfazer, mesmo que
dificulte a locomoção pelos rios, também pode ser analisada sob essa ótica. Ela
representa o vínculo direto à suas nações, e a forma ocidental de lidar com o
conhecimento – a ciência, que tende a categorizar e organizar os elementos do
mundo em arquivos, relatórios, enfim, materializações, para explicá-los. É a
única forma tangível que remete ao ethos europeu no meio de um lócus, um mundo
cultural onde estes são estrangeiros. Para Karamakate, tudo isso parece
frívolo, já que este possui o conhecimento vinculado à oralidade, sendo
portador da própria tradição, sem a necessidade de uma documentação física para
auxiliar seu exercício da memória. Ou seja, diferentes modos de lidar com os
saber, que repercutem, consequentemente, em sentidos diferentes na mobilização
dessa “bagagem” da experiência.
Por fim, a busca pela planta mística Yakruna, que é o epicentro do enredo, confirma a intensa presença e poder que a natureza exerce sobre os personagens, ao atuar como um elo que perpassa os dois recortes temporais do filme. A planta é reinterpretada de acordo com a perspectiva sob a qual é submetida, possuindo simbologias e servindo a finalidades distintas. Os homens de ciência a enxergam como um elemento opaco, orientados por interesses de expansão econômicos e políticos ou pela promessa milagrosa de cura, já o personagem indígena Karamakate a percebe como elemento sagrado que deve ser preservado, pois é intrínseco a sua identidade étnica e pertencimento ao cosmos – a planta possibilita os rituais xamânicos que dão acesso ao conhecimento ancestral, sendo a serpente um ser mágico que criou a natureza e possibilitou a existência. Assim, o filme nos revela diferentes e contrastantes óticas sobre a natureza, dependendo do observador, e nos leva a refletir sobre nossa posição como seres portadores de historicidade dentro do mundo natural.
*as autoras e os autores são estudantes de graduação do curso de História da UFPA e membros do projeto de pesquisa 'Natureza nos relatos de viagem'.
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