quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Uma planta em paralaxe: visões de natureza no filme 'O abraço da serpente'

Maria Góes
Ivana Machado
Evaldo Hughes
Maurício Silva

O filme "O Abraço da Serpente", lançado em 2016, com direção do colombiano Ciro Guerra, imerge nos sinuosos rios e imediações da Amazônia colombiana, em uma jornada entre duas temporalidades - os séculos XIX e XX, sendo fundamentado em pesquisas nos diários de expedições dos antropólogos Theodor Koch-Grunberg e Richard Evan Schultes. A sensibilidade semiótica da direção, integralmente em preto e branco, remetendo às fontes etnográficas clássicas, nos envolve em uma natureza que não se limita apenas ao palco da narrativa, transmutando-se também em um personagem, um sujeito meta-humano, que modifica e é modificado pelos seres, sincronicamente, durante todo o percurso. O próprio título reflete a composição sensorial do enredo, quando nos permite ter uma impressão visual do corpo da cobra realçada nas curvaturas dos rios, e os sons da floresta geram uma atmosfera que nos leva a adentrar os mistérios da mata fechada. Logo, é uma narrativa que leva o expectador a ser realmente abraçado por essa serpente que integra o mundo biofísico amazônico, num labirinto de texturas, sons e contrastes.


Somos defrontados por episódios que expõe as marcas da colonialidade nas Américas; o ciclo da borracha, as missões catequizadoras, o messianismo, o desenvolvimento da ciência, entre outros temas corriqueiramente encontrados em relatos escritos por viajantes do período. No entanto, o filme nos instiga a ir além do silêncio destas palavras que atravessaram o tempo, e trouxeram consigo o arquétipo de um índio singular e monocromático. Aqui, o não-dito toma forma, e nos mostra os indígenas, plurais, em várias nuances - indivíduos com agências e dissidências em meio a estes eventos, que expressam diferentes posicionamentos e formas de lidar com os entraves coloniais ao longo da trama. Karamakate, que teve seu povo totalmente dizimado pelos europeus, enxerga na colonização o signo da violência e destruição de tradições e existências, renunciando qualquer tipo de contato ou acordo ao isolar-se dos brancos e de outros povos que se relacionam com os colonizadores para preservar sua ancestralidade. Já Manduca, ajudante do cientista Theodor, aderiu aos costumes ocidentais e vê a ciência como horizonte para propagar conhecimento sobre os povos indígenas aos brancos.

A percepção dos personagens sobre alguns objetos nos convida a refletir sobre os paradigmas da alteridade, e a colisão cultural do encontro com a outra margem para além do Eu, o Outro. A utilização do mapa para guiar o caminho, que é uma representação sintética do espaço, a compressão de um “cenário” complexo, vivo e dinâmico, incomoda Karamakate, que interage com o espaço de forma mais espontânea, sem um objeto mediando o contato da paisagem com o ser, com o trajeto guiado pelo fluxo temporal da natureza, e não do ser humano. A densa carga que ambos europeus relutam em se desfazer, mesmo que dificulte a locomoção pelos rios, também pode ser analisada sob essa ótica. Ela representa o vínculo direto à suas nações, e a forma ocidental de lidar com o conhecimento – a ciência, que tende a categorizar e organizar os elementos do mundo em arquivos, relatórios, enfim, materializações, para explicá-los. É a única forma tangível que remete ao ethos europeu no meio de um lócus, um mundo cultural onde estes são estrangeiros. Para Karamakate, tudo isso parece frívolo, já que este possui o conhecimento vinculado à oralidade, sendo portador da própria tradição, sem a necessidade de uma documentação física para auxiliar seu exercício da memória. Ou seja, diferentes modos de lidar com os saber, que repercutem, consequentemente, em sentidos diferentes na mobilização dessa “bagagem” da experiência. 


Por fim, a busca pela planta mística Yakruna, que é o epicentro do enredo, confirma a intensa presença e poder que a natureza exerce sobre os personagens, ao atuar como um elo que perpassa os dois recortes temporais do filme. A planta é reinterpretada de acordo com a perspectiva sob a qual é submetida, possuindo simbologias e servindo a finalidades distintas. Os homens de ciência a enxergam como um elemento opaco, orientados por interesses de expansão econômicos e políticos ou pela promessa milagrosa de cura, já o personagem indígena Karamakate a percebe como elemento sagrado que deve ser preservado, pois é intrínseco a sua identidade étnica e pertencimento ao cosmos – a planta possibilita os rituais xamânicos que dão acesso ao conhecimento ancestral, sendo a serpente um ser mágico que criou a natureza e possibilitou a existência. Assim, o filme nos revela diferentes e contrastantes óticas sobre a natureza, dependendo do observador, e nos leva a refletir sobre nossa posição como seres portadores de historicidade dentro do mundo natural.

*as autoras e os autores são estudantes de graduação do curso de História da UFPA e membros do projeto de pesquisa 'Natureza nos relatos de viagem'. 

Um comentário:

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