segunda-feira, 21 de novembro de 2011

“Que natureza que vocês têm!”: Machado de Assis, as matas e os rios

Neste post, trago um trecho de uma crônica de Machado de Assis no qual podemos conhecer sua curiosa reflexão sobre a natureza brasileira. Não arriscarei dizer qual sua concepção de natureza, isso mereceria uma longa reflexão.

Destaco seu aparecente incômodo diante da beleza das paisagens brasileiras, da separação que faz entre o humano x natural e a valorização de um em detrimento do outro. Veja como ele confere valor à paisagem a partir da intervenção humana.

[...] Não é só chapa, é estilete. O meu sentimento nativista, ou como quer que lhe chamem – patriotismo é mais vasto, - sempre se doeu desta adoração da natureza. Raro falam de nós mesmos: alguns mal, poucos bem. No que todos estão de acordo, é no pays féerique.
Pareceu-me sempre um modo de pisar o homem e suas obras. Quando me louvam a casaca, louvam-me antes a mim que o alfaiate. Ao menos, é o sentimento com que fico; a casaca é minha; se não a fiz, mandei fazê-la. Mas eu não fiz, nem mandei fazer o céu e as montanhas, as matas e os rios. Já os achei prontos, e não nego que sejam admiráveis; mas há outras coisas que ver.

Há anos chegou aqui um viajante, que se relacionou comigo. Uma noite falamos da cidade e sua história; ele mostrou desejo de conhecer alguma velha construção. Citei-lhe várias; entre elas a igreja do Castelo e seus altares. Ajustamos que no dia seguinte iria buscá-lo para subir o morro do Castelo. Era uma bela manhã, não sei se de inverno ou primavera. Subimos; eu, para dispor-lhe o espírito, ia-lhe pintando o tempo em que por aquela mesma ladeira passavam os padres jesuítas, a cidade pequena, os costumes toscos, a devoção grande e sincera. Chegamos ao alto, a igreja estava aberta e entramos. Sei que não são ruínas de Atenas; mas cada um mostra o que possui. O viajante entrou, deu uma volta, saiu e foi postar-se junto à muralha, fitando o mar, o céu e as montanhas, e, ao cabo de cinco minutos: “Que natureza que vocês têm!”.

Certo, a nossa baía é esplêndida; e no dia em que a ponte que se vê em frente à Glória for acabada e tirar um grande lanço ao mar para aluguéis, ficará divina. Assim mesmo, interrompida, como está, a ponte dá-lhe graça. Mas, naquele tempo, nem esse vestígio do homem existia no mar: era tudo natureza. A admiração do nosso hóspede excluía qualquer ideia da ação humana. Não me perguntou pela fundação das fortalezas, nem pelos nomes dos navios que estavam ancorados. Foi só a natureza... (crônica de 20 de agosto de 1893 em A Semana)
Panorama da Glória, aproximadamente 1893/1894. Vista tomada do morro de Santa Teresa, das proximidades da rua Taylor. Em primeiro plano, trecho do morro, destacando-se a rua Visconde de Paranaguá; em segundo plano, casario da Glória, destacando-se a chaminé da companhia City Improvements; à direita, casarão construído para ser ocupado por um mercado. No alto, a igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. No fundo, o morro da Urca, o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara.

Um comentário:

Capilé disse...

Belo texto.
Interessante que pouco se muda das concepções turísticas de hoje em dia. Tenho amigos guias, e muitas vezes trabalho levando crianças de escolas particulares por aí, e tudo se repete. O pessoal olha e gosta bastante da parte cultural (que hoje em dia é muito mais intensa do que na época do Machado), no entanto, sempre babam quando reparam no nosso entorno verde e azul da baía e o resto das florestas.
Se compararmos com outras metrópoles latino-americanas (que somente conheço de fotos), o rio não tá tão ruim assim.