quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Entrevista completa do prof. Pádua à Cult

Em nosso ultimo post noticiamos a entrevista que o professor José Augusto Pádua concedeu à Revista Cult (164) deste mês. Na postagem de hoje do HN, publicamos, com exclusividade, a entrevista na íntegra, que, por motivos de limite de espaço na página da Cult não foi publicada completa.
Agradecemos ao professor Pádua por disponibilizar este material para publicarmos aqui no HN.

A ENTREVISTA
1. Os custos antropológicos/ambientais da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte compensam os ganhos econômicos/de produção?

R: Não compensam. Ser contra Belo Monte não significa ser conta a hidroeletricidade em si. Mas cada projeto deve ser discutido de forma transparente, lúcida e minuciosa. O projeto de Belo Monte, apesar de caríssimo, apresenta uma quantidade grande de problemas e dúvidas. Não apenas graves problemas ambientais e antropológicos, mas também econômicos: custos reais da construção, quantidade real de energia gerada, preço real da energia a ser vendida etc. Tudo isso tinha que ser, no mínimo, examinado com muito mais cuidado. A pressa constitui um caso exemplar de algo que precisa ser enfrentado pela democracia brasileira: a força do que já foi chamado de “capital empreiteiro”. Existe um lobby poderoso de empresas, muitas das quais herdeiras das obras faraônicas do período ditatorial, que ampliam seu capital com base em obras públicas e semi-públicas. A pressão imediatista dessas empresas gera uma cadeia de interesses que distorce o debate político sobre as melhores opções para o manejo inteligente e integrado do território brasileiro.

2. O sr. aponta outra alternativa para solucionar o problema de falta de energia que Belo Monte supostamente resolveria?

R: Existem várias opções dentro de um planejamento energético amplo e cuidadoso. Mas, de imediato, existe a opção da repotencialização das máquinas e equipamentos das atuais usinas e da recuperação dos sistemas de transmissão hoje existentes. A capacidade desse esforço já foi estimada em 32.000 MW, quase três vezes mais do que a potência máxima de 11.200 MW prevista para Belo Monte durante quatro meses por ano. Um grande movimento de conservação e racionalização no consumo geral de energia, por outro lado, poderia multiplicar esse ganho. O custo total de projetos desse tipo seria muito menor para o Brasil. Mas o principal problema é político. O “capital empreiteiro” ganha construindo, não conservando ou reformando.

3. Na época de sua construção, a hidrelétrica de Itaipu suscitou protestos similares àqueles que estamos vendo hoje. Como compara os dois movimentos?

R: Essa comparação revela o valor da democracia. No período ditatorial, a capacidade de debate e mobilização foi bem mais restrita. Isso permitiu a concretização de verdadeiros desastres como a destruição de Sete Quedas e o absurdo cálculo de custo/benefício da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. É provável que, em um contexto democrático, o Brasil teria sido poupado desses desastres. Por isso a discussão precisa seguir adiante, pois ela sempre resulta em benefícios para a sociedade. Os projetos atuais de hidroeletricidade, por exemplo, são menos danosos do que foram no passado. Basta ver que o tamanho dos reservatórios é muito menor. A pressão social foi fundamental para promover esses avanços técnicos. A imposição de projetos como Belo Monte, cujo processo de licenciamento apresenta claras lacunas e distorções, caminha na contra-mão da transição histórica para modelos mais sustentáveis de desenvolvimento.

4. O vídeo "Gota d'Água +10", que traz celebridades globais incitando pessoas a assinarem a petição contra Belo Monte, circulou fortemente pela internet nos últimos dias. Apesar de ter tido grande aderência, surgiram críticas em relação às informações imprecisas e o caráter político anti-petista do mesmo. Quais suas impressões sobre o vídeo? (http://vimeo.com/32115701)

R: É normal que na democracia aconteçam sobreposições de diferentes intenções e interesses na discussão sobre temas cruciais. Mas a participação dos artistas, ao meu ver sincera, foi importante para dar publicidade ao debate, contrabalançando um pouco o enorme lobby dos interesses favoráveis à transformação de Belo Monte em um fato consumado. O importante é que os cidadãos possam ser melhor informados sobre questões que dizem respeito ao futuro mesmo do Brasil. O tema não deve ser discutido de maneira sectária. Não se pode esquecer que o governo Lula, inclusive por conta da presença de Marina Silva no ministério, avançou muito na redução do desmatamento na Amazônia, que caiu em mais de 70% a partir de 2004. A sociedade, portanto, tem o direito de exigir mais coerência entre a política florestal e a política de energia. A região do Xingu é muito sensível do ponto de vista ecológico e humano. É um lugar essencial para pensar o futuro do território e da sociedade brasileira.

SOBRE O PROFESSOR PÁDUA

Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1983), mestrado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ (1985), doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ (1997) e pós-doutorado em História pela University of Oxford (2007).

Atualmente é professor associado do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório de História e Ecologia. É presidente, desde outubro de 2010, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ambiente e Sociedade (ANPPAS). É membro do Conselho Científico da Sociedad Latinoamericana y Caribeña de História Ambiental, do Comitê Editorial da revista "Ambiente e Sociedade" e do Conselho Editorial dos periódicos Environment and History (Cambridge), Ecologia Política (Barcelona) e História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Rio de Janeiro).

Como especialista em história ambiental e política ambiental, deu cursos, proferiu conferências e participou de trabalhos de campo em mais de 40 países. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: história do Brasil, histórial territorial, história das florestas e agroecossistemas, história da ciência, história das idéias sobre a natureza, história das políticas ambientais e políticas de desenvolvimento sustentável.

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