sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Porcos para o bem da floresta: ritualismo e ecologia

Donald Worster, em seu artigo traduzido para o português como "Para fazer história ambiental" cita a obra de Roy Rappaport "Pigs for ancestors" - Trata-se de um trabalho de antropologia ecológica. É um estudo de caso clássico de ecologia humana em uma sociedade tribal, o papel da cultura (especialmente ritual) na gestão dos recursos locais e regionais.

Worster diz:
De novo são os antropólogos que têm muito a oferecer aos historiadores em busca de perspectivas e métodos. Um dos mais intrigantes trabalhos de campo que eles já produziram focaliza diretamente essa questão do funcionamento das idéias em pequenas comunidades. Ele vem de um vale entre as montanhas da Nova Guiné, onde os Tsembaga subsistem na base de taro, inhame e porcos. Publicado por Roy Rappaport sob o título Pigs for file anceslOrs [Porcos para os ancestrais), é um exemplo brilhante de como se pode estudaras humanos e as suas culturas mentais operando num único ecossistema.

Os Thembaga aparecem no texto de Rappaport como uma população engajada em relações materiais com outros componentes do seu ambiente. No entanto, diferentemente de seus congêneres animais e vegetais, os Tsembaga criam, a partir do mundo que os cerca, símbolos, valores, finalidades e significados, especialmente significados religiosos. E essa cultura desempenha uma função importante, embora por vezes de forma obscura e indireta: ela estimula os Tsembaga a restringir o uso da tem e a evitar a sua degradação. Por longos períodos, de até 20 anos, esse povo se ocupa em criar porcos, que são acumulados como pagamento aos espíritos dos ancestrais pela ajuda dada nas batalhas com os inimigos vizinhos. Finalmente, quando eles julgam que têm porcos suficientes para satisfazer os espíritos, segue-se uma matança ritualística. Centenas de animais são mortos e consumidos em honra dos antepassados [a figura mostra um esquema].
Paga a dívida, os Thembaga estão agora prontos para guerrear de novo, confiantes que o poder divino está outra vez do seu lado. Assim segue a sua vida, ano após ano, década após década, num ciclo ritualístico de criação e matança de porcos, danças, festas e guerras. A explicação local desse ciclo é integralmente religiosa, mas o observador externo percebe que algo mais está acontecendo: há um elaborado mecanismo ecológico em operação, mantendo o número de porcos sob controle e propiciando ao povo uma vida em equilíbrio com o seu ambiente.

Presumindo que o estudo seja válido, nesse vale coberto de florestas Rappaport encontrou um exemplo de como uma cultura pode assumir os seus contornos enfrentando os problemas da sobrevivência num ecossistema peculiar. Aharmorua entre os reinos da natureza e da cultura parece, nesse caso, ser quase perfeita. Mas o historiador quer saber se as populações humanas têm sempre tanto sucesso nas suas adaptações quanto os Tsembaga. Mais que isso, serão os povos que o historiador mais provavelmente estudará - p0vos organizados em sociedades avançadas e complexas, e que se relacionam com a natureza através de rituais modernos, religiões modernas e outras estruturas modernas de significado e valor - tão bem-sucedidos?
Rappaport se arrisca a sugerir que a "sabedoria ecológica" inconscientemente encarnada no ritual cíclico da Nova Guiné não é de forma alguma comum.

O texto de Rappaport foi publicado em 1984, mas e agora, como estão as florestas de Papua Nova Guiné?

Segundo notício do site MONGABAY.COM, a extração de madeira está tendo um pesado efeito sobre as florestas de Papua Nova Guiné. Usando imagens de satélite para revelar mudanças na cobertura florestal entre 1972 e 2002, pesquisadores da Universidade de Papua Nova Guiné e da Universidade Nacional da Austrália descobriram que Papua Nova Guiné (PNG) perdeu mais de 5 milhões de hectares de floresta nas últimas três décadas — a cobertura florestal total declinou de 38 million hectares in 1972 to 33 milhões de hectares em 2002.

O desflorestamento na Papua Nova Guiné — a metate leste da ilha da Nova Guiné — primariamente resulta da extração industrial, agricultura de subsistência, e cada vez mais agricultura em larga escala — especialmente plantações de palma de óleo. A extração de madeira tem o maior impacto, resultando tanto em desflorestamento direto e degradação de florestas primárias ricas biologicamente. A extração de madeira também promove a conversão de terras florestais para a agricultura [a imagem de satélite ao lado mostra a destruição da natureza em PNG].

Além de reduzir seu estoque de madeira, o relatório diz que o desflorestamento e a degradação pode estar diminuindo os altos niveis de diversidade cultural e biológica da PNG. O país é abrigo para mais de sei por cento da biodiversidade terrestre do mundo e mais de 10 por cento das linguas faladas do planeta. O relatório diz que a extração e desflorestamento pode estar degradando funções ecológicas importantes — incluindo a regulação da água, estabilização global e regional do clima, retenção do solo e nutrientes, controle de pestes, polinização de colheitas, e a manutenção de espécies de peixes — provida por florestas saudáveis.

Fonte:
RAPPAPORT, Roy A. Pigs for the ancestors: ritual
in lhe ecology of New Guine people.
Waveland Pr Inc; 2nd edition (February 8, 2000).
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, v.4, n.8, p.211-212, 1991.

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