Em 30 de Julho de 1906, nascia Mário Quintana - jornalista, tradutor e poeta. O post de hoje é em comemoração a essa data e também para nos despedir do mês com uma poesia de excelente qualidade.
É estreita a relação entre poesia e natureza. Em Mário Quintana essa relação se faz de maneira bem humorada, particular e muito agradável. Para ele, os animais, as plantas, o mar, são elementos que provocam a quebra de uma ordem. Em "Sapatos, etc" ele diz: "Natural é a natureza. E a natureza é hippie. Onde já se viu uma árvore ridiculamente simétrica?"
A natureza, nos versos de Quintana, aparece como o elemento que traz beleza a paisagem e a vida não porque compõem a ordem, mas porque desorganizam. Isso fica claro quando ele escreve sobre os animais:
As vacas voam sempre devagar / Porque elas gostam é da paisagem...
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A pantera é uma curva em movimento:/ vai-se desenrolando como um desenho.
Mas a sua harmonia é linear como/ a figura que, na sucessão de um friso,
repete-se, com o andante ritmo de um verso/ num poema...
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O grilo/ com as suas frágeis britadeiras de vidro,/ perfura/ as implacáveis solidões noturnas.
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O mais revoltante nas touradas é que os touros não são aplaudidos quando saem vencedores.
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O gato é o único que sabe manter-se com indiferença num salão. As outras indiferenças são afetadas.
Note que nesses versos há uma subversão própria dos animais, eles desorganizam uma visualidades, são criaturas que convidam a pensar de maneira inversa. Em "Premissas", ele diz: "A natureza é barroca. O sonho é barroco. Portanto, o que teriam vindo fazer neste mundo as colunas gregas?".
Mário Quintana gosta mesmo é da falta de simetria que a natureza apresenta, um certo mundo torto que não está em jardins feitos por mãos humanos, mas no acaso do um leito de rio. Em "Decadência e esplendor da espécie", ele critica o mundo criado pelo ser humano: "(...) o homem criou além do mundo natural, um mundo artificial, todo seu, uma segunda natureza, enfim./ O homem, esse mascarado...".
Ainda há o Mário Quinta menos ácido e mais romântico em utilizar a natureza, ele diz: “O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente.” Mesmo assim ele não deixa de criticar o comportamento dos seres humanos diante da natureza. Em outros versos ele adverte: “Nesses tempos de céus de cinzas e chumbos, nós precisamos de árvores desesperadamente verdes.”
Finalizamos nossa reflexão com uma poesia em prosa que mostra bem essa ideia de "natureza hipie". Eis os versos que tem o título "Natureza":
Não, nada de piqueniques! O encanto das paisagens numa tela é que elas não têm cheiro, nem temperaturas, nem ruídos, nem mosquitos. Nada, enfim, do que acontece nas desconfortáveis paisagens reais. Quando estive no Rio, o P.M.C.¹, meu colega, amigo e editor, se ofereceu para “uma tarde destas” me mostrar o Rio. Agradeci-lhe horrorizado:
- Não, muito obrigado, Paulinho! Eu sou evoluído: o que mais me agrada no Rio são os túneis...
Creio que ele suspirou de alívio.
Pois bem que ele deveria saber, como poeta de verdade, que nunca se deve ser apresentado a uma paisagem. É uma situação embaraçosa. Nem ao menos se lhe pode dizer : “Muito prazer em conhecê-la, minha senhora!”
Esse não pode ser um conhecimento voluntário, aprazado, mas uma lenta osmose inconsciente, de modo que no fim se fique pertencendo à paisagem, e vice-versa.
Não se pode conhecer nada num minuto e só por isso é que os turistas não conhecem o mundo.
Jamais acreditei em observação direta, principalmente quanto à criação poética. Tanto assim que quase dei a um de meus livros o belo título de “O Viajante Adormecido”. Só não o fiz porque a Gabriela me observou que o poderiam apelidar de “O Leitor Adormecido”...
Fraqueza minha! E por que não o “leitor adormecido” mesmo? A comunicação poética, no seu mais profundo sentido, não é acaso subliminar? Os poetas que dizem tudo acabam não dizendo nada. Porque a poesia não é apenas a verdade... É muito mais!
A Poesia é a invenção da Verdade.
¹ P.M.C. - Paulo de Mendes Campos, poeta mineiro.
"Natureza" é uma poesia em prosa muito interessante para pensarmos a paisagem e sua criação, tanto mental quanto em uma obra de arte. Para mim, que tenho pensado sobre essas questões, suscita inúmeras ideias que não vou escrever para não tornar ainda mais cansativo minhas palavras.
Encerro dizendo que concordo com Mário Quintana, a natureza é mesmo hipie, e nós que um dia pertencemos a ela, poderíamos ser um pouco hipies também, pelo menos no modo de pensar, pois o mundo cartesiano é muito chato, afinal a vida já tem colunas gregas demais.
Um comentário:
Em que obra o poeta diz “Nesses tempos de céus de cinzas e chumbos, nós precisamos de árvores desesperadamente verdes.”?
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