sexta-feira, 15 de março de 2013

As memórias de nosso patrimônio


Para abrir uma seção que se propõe a refletir questões referentes ao patrimônio devemos começar pela sua relação com nossa memória. Por que nosso patrimônio cultural mexe tanto com nossas emoções e lembranças? Toda sociedade precisa encontrar um sentido para o que não lhe é compreensível e para isso usa a história como instrumento.


Por: Moema Alves*

O apelo que fazemos à preservação de nossa memória perpassa pela necessidade de reconstituição de nossa sociedade, tomada como algo formado do passado para o presente, em virtude disso, preservamos vestígios arqueológicos, prédios, monumentos, etc. Precisamos desses símbolos para criar nossa identidade e por isso os preservamos. Comemoramos eventos históricos, estabelecemos feriados e criamos espaços para que exercitemos nossa memória. Esses espaços produzem uma memória coletiva, baseada na realização de práticas culturais e, por isso, deve ser preservado.

Há um filme nacional, de Eliane Caffé, chamado Narradores de Javé que é muito interessante. Nele, uma pequena cidade do interior nordestino – Javé – deixará de existir para se construir ali uma hidrelétrica. Os moradores, inconformados, se informam que para salvar a cidade de ser submersa em água, precisam identificar nela um patrimônio e então começa uma busca pela história do local, pois, na concepção deles, se conseguissem escrever um livro provando que tinham um grande herói e grandes fatos, sua história seria então o dito patrimônio e conseguiriam manter sua cidade. Cada personagem conta uma versão diferente para o mesmo acontecimento: a fundação de Javé. Cada grupo, na verdade, conta a história de acordo com suas concepções de mundo. Não cabe a mim contar àqueles que ainda não viram o filme se eles conseguem ou não salvar a cidadezinha, mas não apenas questões como memória, identidade, história oral e história nos chamam a atenção no filme, mas a própria questão do “progresso” e do que significa patrimônio para a sociedade. No caso, os moradores acreditaram na memória para resolver a situação e de certa forma, todos nós nos apegamos à memória para criar nossa identidade.

Sendo assim, proponho um pequeno exercício para a valorização de nosso patrimônio. Ao sair pelas ruas de sua cidade, que tal observar o que sabe sobre elas? Que histórias conhecem? Que manifestações – culturais ou políticas – você associa a sua cidade? E que tal observar também que memórias determinados pontos lhe despertam? Essa brincadeira simples mostrará o sentido de pertencimento do patrimônio ao seu redor. Conhecendo a cidade e se reconhecendo nela. E quando nos reconhecemos enquanto portadores da memória de um determinado lugar, entendemos que aquilo também nos pertence, portanto, também é nosso dever zelar por esse patrimônio.

A memória é portadora de uma herança que dá sentido e forma a uma sociedade. Ela é dinâmica e (por que não?) formadora de mitos. Já a história analisa, critica. A história procura criar uma identidade universal e para isso precisa absorver as várias identidades fragmentadas, cada qual com sua memória específica. Compartilhando esse passado comum nos identificamos com essa sociedade, nos tornamos parte dela.

* Historiadora, Mestranda em História Social pela UFF.
Fonte: http://www.vertentecultural.com.br/site/index.php?p=noticia-detalhar&i=10

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